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Uma vida como dom

No centenário do Mons. José Pereira Soares Jorge

 

 

Na nossa linguagem de mundividência religiosa, quando falamos de aniversários é habitual dizer que celebramos o dom da vida. E dizemos bem! A vida é uma dádiva misteriosa que nos é colocada nas mãos por Alguém que tem o poder de, do nada, fazer o tudo. O tudo sobre o qual nem sequer as leis do tempo e do lugar terão poder, pois o ser humano projeta-se em eternidade. É, de facto, um prodígio que as leis da genética e da biologia não podem explicar, porquanto não é um conjunto de órgãos e tecidos que, por si, formam uma pessoa viva. Celebrar o dom da vida é, por isso, entrar numa relação vertical com o Deus Criador.

Porém, nem sempre essa vida é um dom para os outros. Quantos e quantos transformam esse dom original em instrumento de contínua agressão aos seus semelhantes. O antissocial, o violento, o assassino, o déspota, o ditador usam o dom da sua vida, igualmente proveniente de Deus, para a tornarem causa de sofrimento dos outros. E a história está cheia desta gentalha. É a relação horizontal, que não traz nenhum bem à sociedade, mas, pelo contrário, muito contribui para as suas lágrimas e infelicidade. Quer dizer que a vida só é plenamente dom quando a relação vertical e horizontal afinam por critérios de encontro humanizante e simpático, por um timbre de relacionamento amoroso e agradecido.

O Monsenhor José Jorge entra nesta lista a justo título. Por isso, estamos aqui para a gradecer a beleza desta dupla relação harmónica e altamente fermentadora de um mundo de beleza e bondade. Não sendo possível exemplificar com tantos momentos e atitudes de uma história centenária, limito-me a uma perspetiva geral.

A excelência da relação deste cristão com Deus pode sintetizar-se naquela frase-resposta à mãe que o provocou dizendo que lhe constava que ele não queria ser padre e que o Monsenhor repete muitas vezes: “Eu quero o que Deus quiser de mim”. Embora não tomado formalmente como lema da sua vida, não deixou de constituir a identidade da sua relação vertical com Deus. De igual modo, o encontro com os outros é também muito visível na forma como tem exercido o seu sacerdócio ao longo destes quase setenta e quatro anos. Empenhou-se fortemente naquele bem maior que passa por fazer o que a Igreja faz na evangelização, liturgia e caridade. Mas fazê-lo com uma entrega radical.

Encantado com a lufada de ar fresco que constituiu o Movimento por um Mundo Melhor, do P. Lombardi, centrou na difusão da Palavra de Deus o melhor do seu ministério. Daí o seu pioneirismo, verdadeiramente profético, do lançamento do atual Secretariado da Educação Cristã, ao fim e ao cabo, o patamar a partir do qual se assume a fé na nossa Diocese. O mesmo se poderia dizer da oportuníssima fundação do Agrupamento do Escutismo Católico. A nível da liturgia, para além da dignidade e preparação das celebrações, registe-se a introdução das chamadas “Quarenta Horas” de adoração ao Santíssimo, no contexto do Carnaval, para ajudar os fiéis a centrar-se em Cristo, quando tantos trocam uma diversão sadia por comportamentos não muito honrosos e nada cristãos. Que eu saiba, é a única Paróquia da cidade onde essa prática devocional perdura. E não se esqueceu da dimensão sócio caritativa, expressão organizada do amor cristão. Por causa disso, deu vida ao velho “Patronato”, depois transformado em Centro Social Paroquial, uma necessidade para uma zona que, há algumas décadas, segundo ele, era pobre, habitada por famílias que, do interior, vinham à procura de melhores condições de vida. A isto dedicou muita da sua energia e recursos. Para o bem comum. Para os pobres. E poderia referir mais três dado muito típicos do Mons. Jorge: a visita sistemática às Escola, a visita semanal aos doentes e os telefonemas, durante anos a fio, aos casais a cujo matrimónio ele presidia. Que beleza!

Por feliz coincidência, hoje celebramos o dia da apresentação de Jesus no templo, quarenta dias depois do seu nascimento. Os cristãos do Oriente chamam-lhe o dia do “Encontro”. E o Mons. Jorge pode muito bem ser definido como o «homem do encontro», o cristão e o sacerdote que motivam encontros. Desde logo, o encontro do homem com Deus, o megaencontro, a razão última da existência humana. Fê-lo por intermédio de toda a vida eclesial, mas especialmente pela catequese, pregação, formação e Escutismo. Depois fomentou o encontro de dois mundos, o religioso e o laico. É que nunca se fechou na sacristia, mas soube muito bem estar na cidade dos homens para, no respeito pela sua dignidade, mostrar que a dimensão religiosa e a elevação para Deus acrescenta dignidade à dignidade constituinte. Tal como no dia de hoje em que se encontram duas luzes, a do Natal e as velas benzidas neste dia da Candelária, ele também deu testemunho da certeza de Simeão, que aparece no Evangelho, de que Jesus é a “luz para se revelar às nações”, a luz que separa a noite das mentes fechadas em si da alvura da verdade. Enfim, proporcionou o encontro de dois mundos ou duas culturas: o particularismo e a abertura universal. Simeão põe isso em relevo quando refere Cristo como “luz das nações e glória de Israel”. Sem excluir ninguém, fazer passar do particularismo a uma cultura católica, isto é, universal, é a grandeza de um pastor da dimensão do Mons. Jorge.

Agradeçamos. Agradeçamos a Deus o efetivo dom da vida do Mons. Jorge. Vida harmoniosa, vida fecunda, vida de bons encontros. Vida de quem se cumpre ajudando os outros a cumprirem-se. Vida misteriosa, vida com sentido, fomentadora da cultura do encontro, meta da existência humana vivida sob a inspiração da fé cristã: ao encontro contínuo e habitual com Deus e ao encontro alegre e coerente com os irmãos.

Por muitos e bons anos, caríssimo Mons. Jorge. E que Deus seja louvado porque nos deu o dom excelente da sua vida.

 

 

+ Manuel Linda 2 de fevereiro de 2025