No Jubileu das Prisões
Um coração aberto a Deus e aos outros
Neste momento, se a minha preocupação fosse fazer uma habitual homilia, usaria argumentos teológicos e faria longas citações dos muitos documentos da Igreja. Seria, porventura, um discurso mais ou menos aplaudido, mas que pouco implicaria com a vida real de todos vocês ligados ao mundo penitenciário: os altos responsáveis para que o sistema funcione e se melhorem as condições de vida da população prisional, os operadores da pastoral penitenciária, com os caros capelães à frente e, de uma forma especial, vocês os detidos, razão da nossa presença aqui. Mas não. O que pretendo é dizer que ninguém está abandonado e que, embora não no grau que vocês experimentam, também nós fazemos nossas as vossas dores, participamos do vosso sofrimento e queremos acalentar a vossa esperança. Aliás, como refere o Papa Francisco, numa passagem que certamente já conhecem: “Penso nos detidos que, privados da liberdade, experimentam cada dia a dureza da reclusão, o vazio afetivo, as restrições impostas e, em alguns casos, a falta de respeito pela sua dignidade”.
A pensar nisto, neste ano jubilar, pois se comemoram 2025 anos do nascimento de Jesus, o grande amigo e companheiro dos sofredores, fazemos este gesto tão belo e tão significativo de abrir uma «porta santa» neste Estabelecimento Prisional e, por ele, em todos os outros que se situam na área da Diocese do Porto. Da mesma maneira que na nossa Sé entram pessoas para admirar a beleza ou para encontrarem um pouco de silêncio, para pedirem e para agradecerem, para meditarem ou para rezarem e cantarem em conjunto com os outros, assim nos EP’s queremos que o mais profundo da vida aqui tenha espaço e que a dimensão religiosa ajude cada um a centrar-se em Deus e, n’Ele, a encontrarmo-nos a nós próprios e à dignidade que nos constitui. Sim, a partir de agora e durante o ano, este e os demais Estabelecimentos Prisional constituirão a catedral nº 2 da Diocese do Porto.
Mas vocês certamente perguntam: “Para vós que estais livres, fora desta prisão, é muito belo falar em esperança, em alegria, em felicidade. Mas, para nós, presos, este tempo tem algo de especial? Não será um tempo de vivência das mesmas rotinas e angústias todos os dias? Que aspirações e esperanças poderemos ter?”.
Creio que este pode ser um tempo radicalmente diferente. Aqui, na prisão, pode ser um tempo de nascimento para uma vida outra, uma existência diferente. Para melhor, claro. É que a abertura da porta santa significa a abertura do coração. Um coração tanta vez fechado em si e nos seus ódios e desejos de vingança, para se abrir ao amor, aos outros e ao bem de todos. Um coração que deixa entrar amizades e relações sociais sadias e que nos deixa sair a nós mesmos para irmos ao encontro dos outros, todos diferentes, mas todos possuidores de qualquer coisa de próprio que nos pode fazer felizes. É que só corações abertos fazem fraternidade.
Vocês certamente sabem que Jesus também foi detido e preso. E foi condenado à mais dura das penas: a pena de morte por crucifixão. Ele que só vivera para fazer os outros felizes! Curiosamente, quando o crucificaram, um soldado, com uma lança, deu-lhe uma facada no coração, para o matar se ainda estivesse vivo. Não deixa de ser significativo: Aquele que tanto amara os outros, como que precisava, naquele momento, de apresentar o coração aberto para simbolizar o que é um coração que ama. Em quase todas as igrejas há imagens que representam isso mesmo. São as imagens ditas do Sagrado Coração de Jesus. Certamente já as viram. Pensem nelas.
A exemplo d’Ele, é este nosso coração aberto que recebe e projeta para a esperança, tema deste ano jubilar. Esperança de que, n’Ele, chegaremos ao porto da alegria e da felicidade. Ele é uma âncora que garante essa solidez de percurso, se nos agarrarmos a ela. É que, ao contrário das âncoras do navio, que o prendem para que ele se não mova, a âncora da salvação, que é Jesus, move-se. Mas move-se para a plena felicidade que ansiamos já neste mundo e para aquilo que se encontra para lá dele: a vida eterna. Ora, se nós nos prendemos a essa âncora, atingimos com Ele essa meta.
Esta esperança é luz para todos. Mas sê-lo-á mais para este tempo e contexto de forte escuridão. Este, de facto, é um tempo de forte vazio de coração: vazio de afetos,vida e de sonhos. É esta luz que eu desejo habite o vosso interior. É essa luz, particularmente se for luz de fé, que vos fará ver que, quanto mais erramos, mais Deus se torna presente para a nossa mudança de vida, para o que chamamos conversão. É essa luz que nos mostra que Deus assume como seu o sofrimento dos sofredores. Por isso, mais exerce a sua misericórdia, a sua compaixão, como fez Jesus em tantas situações conhecidas. Aliás, como referia o Evangelho agora lido: “[Deus Pai] me enviou a proclamar a redenção aos cativos e restituir a vista aos cegos, a liberdade aos oprimidos e a proclamar o ano da graça do Senhor”. Sim, o Senhor está presente junto de vós, caros detidos sofredores, e tem compaixão de vós, como a tem de todos.
Senhoras e senhores, porque acreditamos na liberdade, porque todos nós ansiamos por uma liberdade que será exterior, mas, desde já, tem de começar por ser interior, que tem de nascer a partir do vosso coração tornado cada vez mais sensível e transformado, também eu, em nome do Senhor, vos desejo um tempo de edificação da esperança, da liberdade, de felicidade, da reconstrução da vossa vida familiar e social. Se assim for, como espero, então sim: valeu a pena abrir a porta santa dos EP’s porque este será um ano de júbilo, uma meta de humanismo e plenitude.
Deus nos abençoe e ajude.
+ Manuel Linda 8 de março de 2025