Dia Mundial dos Pobres - 2024
1. A Igreja nasceu com os pobres e continua a ter nestes a sua grande base sociológica. As bem-aventuranças referem-nos como aqueles a quem pertence o Reino dos céus, sejam ou não católicos. Porém, isto não faz de nós um Igreja classicista ou ideologizada, muito menos uma força político-partidária sectarista.
2. Estamos do lado dos pobres e atuamos a dois níveis: assistencial e promocional. O assistencial pode parecer a única ação. Mas não é. Talvez seja o mais visível porque o exercido em situações mais aflitivas e, por vezes, com mais heroicidade. Há, de facto, quem tire o pão da sua boca para o dar aos outros. E isto chama a atenção. É que, como um dia disse São João Paulo II, “os pobres não podem esperar”.
3. Hoje, a nossa sensibilidade e trabalho com os pobres passa muito pelo nível ou setor promocional. Para isso, investimos na formação da criança, na qualidade de vida dos velhinhos, na oferta de valores aos jovens desestruturados, no apoio à união familiar, na alfabetização dos migrantes e, de forma geral, na promoção integral de todos, particularmente os mais débeis, tais como, refugiados, trabalhadores de baixo salário, vítimas de violência doméstica, etc. E tudo isto com a qualidade que se reconhece.
4. Estamos a fazer tudo isto maioritariamente à nossa custa e com pouca ou nenhuma ajuda do Estado. Aliás, este nem sequer cumpre os compromissos que assume. Dou um exemplo: como é sabido, o Estado português comprometeu-se com comparticipações de 50% nas despesas efetivas das valências ligadas à velhice. Entretanto, nunca passou dos 35 ou 37%. Repare-se: apenas se comprometeu com metade do custo efetivo e, mesmo assim, está muito longe de o atingir. Somos, portanto, altamente credores do Estado.
5. Mas o mais grave nem sequer é isto: é não termos qualquer garantia de que os protocolos assinados com ele se manterão durante um período que suporte os investimentos. Sejamos claros: o Estado não tem sido parceiro fiável. Vale-se das IPSS's ou do ensino privado enquanto precisa delas, mas descarta-as sem dó nem piedade quando encontra outras soluções. Depois, estas instituições descartadas têm de haver-se com os custos inerentes às instalações, com os colaboradores que ficam sem trabalho, com as necessárias indeminização, com o odioso dos despedimentos, etc.
6. Foi assim que aconteceu, por exemplo, com a educação pré-escolar. Em muitas situações, o Estado construiu, de raiz, equipamentos a 40 ou 50 metros de outros que já lá estavam, abertos a todos e com enorme qualidade educativa. Exclusivamente por motivos ideológicos. Esperemos que isso não aconteça, agora, com os berçários e infantários, pois, neste momento assistimos a uma nova construção desenfreada. Se é para colmatar as carências, muito bem! Se a intenção é outra, muito mal!
7. O mesmo se poderia dizer do ensino particular e cooperativo. A escolarização é, de longe, o maior instrumento de sucesso e de realização pessoal. Por isso, não se compreende porque é que o Estado despreza o ensino privado. Veja-se o que representou o fim dos contratos de associação: mais uma vez, aos alunos mais pobres, na prática, foi barrada a possibilidade de acesso às Escolas que predominam no ranking da qualidade e do sucesso porque, obviamente, estas têm de pagar aos professores, colaboradores e manutenção das instalações com as propinas. E os pobres e suas famílias não o podem fazer.
8. Neste caso concreto dos colégios privados –alguns da Igreja, mas a maior parte de setores que nada têm a ver com ela- além do mais, o Estado deu uma enorme machadada na sua credibilidade enquanto hipotético parceiro. Ao pôr fim, unilateralmente, a esses contratos de associação, levou colégios à falência, lançou técnicos altamente qualificados no desemprego, obrigou a indeminizações que as entidades proprietárias não possuíam, tornou mais desfavorecido o interior do país e o mundo rural, pois aí poucas famílias possuem efetivo poder de compra, obrigou a concentrar os alunos em grandes magotes, enfim, nivelou por baixo. E não consta que daí adviesse menor despesa…
9. A pobreza é um conjunto de situações interlaçadas. A pobreza tende a replicar-se. E o Estado, ao não nivelar por cima, está, efetivamente, a replicar a pobreza. Celebrar este Dia dos Pobres, uma iniciativa da Igreja Católica, a Igreja dos pobres, é colocar-se do lado deles e reclamar para eles as capacidades e possibilidades que os ricos já possuem. E é, fundamentalmente, agitar as águas para que todos se deem conta de que ou se procede a uma espécie de pacto de regime em favor dos pobres, ou a pobreza aumentará cada vez mais, como, infelizmente, se vem acentuando há muito tempo. E este tempo já não aceita mais o conceito do «pobrete, mas alegrete».
10. Da sua parte, esta nossa Diocese do Porto, está no terreno, com as botas enlameadas e as mãos com calos, para assistir e promover os pobres. E está-o não só na caridade tu-a-tu ou por intermédios de organismos que se reclamam do silêncio e da humildade, mas também por muitas instituições que formam o verdadeiro tecido da solidariedade social. Entre as muitas, quase impossíveis de numerar, destacaria:
- 35 Associações/movimentos/obras com estatuto de IPSS (contando com a Cáritas Diocesana e a Obra Diocesana de Promoção Social, esta com doze grandes Centros);
- 111 Centros Sociais Paroquiais com estatuto de IPSS;
- 28 Irmandades da Misericórdias, cada uma com uma imensidade de valências;
- 268 Conferências Vicentinas;
- 34 Grupos da ação social nas paróquias da Diocese (que não pertencem a IPSS, Conferências Vicentinas ou Misericórdias);
- muitas «Ordens Terceiras» que também exercem a solidariedade social:
11. Ora, tudo isto representa milhares e milhares de voluntários, milhares de técnicos que, daqui, retiram o seu salário; dezenas de milhares de pessoas assistidas por mãos carinhosas e caras com um sorriso que desperta outro sorriso; milhares de crianças e jovens que enfrentam a vida com sólidos valores e competências para nela singrarem; milhares de empregos indiretos criados; milhares de membros pertencentes aos órgãos sociais que vivem e difundem o espírito de fraternidade; enfim, milhares de famílias que são aliviadas dos trabalhos exigidos pelos seus membros mais frágeis porque outro os tratam em sua vez.
12. Na pessoa do novo Diretor do nosso Secretariado Diocesano da Pastoral Social, o senhor P. Rubens, quero agradecer a todos os que se dedicam aos irmãos. Há pouco, dizia que as instituições referidas constituem as artérias e os vasos capilares por onde circula o sangue oxigenado que alimenta as células. Agora diria que o Secretariado, as Misericórdias e os diversos órgãos sociais das Instituições de Solidariedade Social são o coração que bombeia esse sangue novo. A todos, em meu nome e no da Diocese do Porto, o meu muito obrigado.
+ Manuel Linda Espinho, 15 de novembro de 2024