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COMPREENDO E ACEITO

 

Padres para a “Diocese do coração”

 

Há dias, quando ainda não estava claro se seria ou não possível abrir a todos esta celebração com a qual assinalamos a Jornada de Santificação dos Sacerdotes e fazemos a renovação das promessas da Ordenação e a bênção ou consagração dos santos óleos, um Clérigo, aqui presente, escrevia-me: “Por favor, não se exclua ninguém dessa Missa. Cada um verá se pode ou não participar. Sinto necessidade de concelebrar com o meu bispo e com os meus colegas. Repito: é mesmo necessidade”.

Sim, essa necessidade é mútua: também o bispo, que não se compreende fora da sua Igreja e à margem do seu Presbitério, anseia igualmente estar com os seus padres. Para os felicitar pela maneira como se tornaram presentes junto do nosso povo durante o tempo de confinamento; para lhes manifestar a alegria de os ver sãos e salvos após a fase mais aguda da difusão do vírus; e para reafirmarmos, em uníssono, que nos sentimos felizes com o dom do sacerdócio ministerial que o Senhor colocou nas nossas mãos frágeis e que tudo faremos para o exercer com dignidade e santamente, para o bem da Igreja e do povo de Deus.

Sabemos que o sacerdócio em que estamos investidos não é fruto do nosso esforço, resultado automático de um curso académico que nos capacita para um qualquer «emprego». O sacerdócio é dom e muito mais que um simples dom vulgar: é uma espécie de simbiose que o Senhor estabelecer connosco e, como tal, nos transforma num alter Christus, um prolongamento do seu «sumo e eterno sacerdócio» (cf Hb 7, 20). É o intuído já na primeira leitura, do Livro do Deuteronómio: “Se o Senhor Se prendeu a ti […] foi porque te ama” (Dt 7, 7-8). Sim, o Senhor “prendeu-Se” a nós para dar firmeza à nossa condição de “vaso de barro” (2Cor 4, 7) e, por nosso intermédio, exercer o seu sacerdócio em favor de todo o povo.

É forte a expressão “o Senhor prendeu-se a ti”. Dá a ideia que Ele como que depende de nós. Mas não é de espantar. A mesma leitura fornece a chave de interpretação: o povo escolhido é aquele sobre o qual repousa o amor de Deus. E o amor, quando é puro, leva ao serviço do outro e não ao seu domínio. Leva ao prendimento. De alguma forma, é quanto exprime o refrão do salmo responsorial: “A bondade do Senhor permanece eternamente sobre aqueles que O amam”.

Porém, como se afirma na segunda leitura, implícita nesta afirmação está também uma tarefa, comum a todos os crentes, mas como que identitária da essência do sacerdote: fazer com que todos descubram, assimilem e vivam a fonte do amor verdadeiro, que é Deus, pois “Deus é amor e quem permanece no amor permanece em Deus e Deus permanece nele” (1Jo 4, 16). Eis aqui o mistério dos mistérios, para cuja função entra o sacerdócio cristão como des-velador ou des-vendador –o que retira as vendas dos olhos que não deixam ver- para que a humanidade “encontre descanso” no suave jugo do amor de Deus, descobrindo-O em Jesus Cristo, já que “ninguém conhece o Filho senão o Pai e ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Mt 11, 27), como nos garante o Evangelho.

Senhores Padres, se quiséssemos sintetizar toda esta doutrina poderíamos dizer somente: Deus ama-nos e quer que todos saboreiem este amor. É para onde nos remete a Solenidade do Sagrado Coração de Jesus. E quando a Igreja, a partir do Papa São João Paulo II, a associou ao clero e à sua sempre necessária santificação, quer lembrar-nos que a redenção do mundo, da qual somos co-participantes indispensáveis, é uma obra de amor que vive do amor e aponta para o amor. Por isso, aí está o Coração de Jesus, como grande símbolo, simultaneamente, do amor e do sacerdócio.

Ora, constituímos aquela que poderíamos definir como “Diocese do coração” e, consequentemente, do amor. Um leigo, o rei D. Pedro IV, quis que o seu coração repousasse para sempre na igreja onde ia à Missa e a outros atos religiosos; uma freira que fixou residência nesta cidade, a Beata Maria Droste –tão devota deste mistério que até mudou o nome para Maria do Divino Coração- a partir daqui, obteve do Papa Leão XIII a consagração do mundo ao Sagrado Coração de Jesus, acontecimento que o mesmo Papa definiu como “o ato mais importante do meu pontificado”; o Venerável Padre Américo Aguiar é habitualmente definido como um “homem de coração grande e generoso” e, por isso, saiu de si para ir ao encontro dos que mais precisavam, o que ficou na memória perene da região e do país; e o meu direto antecessor, o senhor D. António Francisco dos Santos, era um bispo de tal afetividade que o coração se tornava pequeno para alimentar tanta simpatia e, por isso, teve de prescindir dele. O mesmo poderia dizer do Venerável D. António Barroso e de tantos outros. Um leigo, uma religiosa, um padre e um bispo: eis uma espécie de representação da diversidade do povo de Deus desta Diocese, a tal “Diocese do coração”.

Senhores Padres, pelas razões conhecidas, esta é também a altura histórica do coração: é o tempo do coração. É o tempo daquela taquicardia, não das batedelas que são sinal de doença, mas da aceleração do amor misericordioso que nos leve à entrega plena ao ministério, atributo da saúde integral e profissão de fé de quem acredita no que faz. Que a nossa Diocese, no seu clero, -o seu âmago ou centro dos centros da sua vida-, se distinga por esta espécie de contradição, mas que é apenas complementar, tal como a alternância cardíaca entre a sístole e a diástole: um coração que se «queime» pelo seu povo, com generosa dedicação e alegre longanimidade, pois a satisfação que daí se tira é bem superior à fugaz ganância das benesses materiais; mas também um coração biologicamente saudável, que suporte e exprima a saúde física do sacerdote, até porque é previsível que, sendo menos, vamos ter de fazer mais.

É isto o que o bispo lhes deseja e pede: um coração sacerdotal, isto é, afável, misericordioso, compassivo; mas também um coração saudável, pois necessitamos de alegria, força e coragem para, unidos, enfrentarmos os trabalhos da missão.

 

 

Manuel Linda, Bispo do Porto 19 de junho de 2020