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COMPREENDO E ACEITO

 

Capas e batinas

 

Há pessoas que nascem para falar e serem faladas. Falar bem, porque dizer insanidades qualquer uma o faz. Só que o povo sabe a quem prestar atenção.

Uma destas pessoas era D. Manuel Vieira Pinto. Falou e foi falado. Falou no Porto e arrebatou multidões que encheram o Palácio de Cristal. E em Lisboa e por todo o lado. Para apelar a um “Mundo Melhor”. E foi falado. Por vozes dissonantes. Para umas, era a garantia da lucidez humanística perante o colonialismo, a guerra e a (des)construção de Moçambique; para outras, era o revelde, o inimigo a abater, o revolucionário vermelho.

Depois, veio a sinfonia conclusiva. E, curiosamente, aí predominaram os silêncios. De tal maneira, que quase só se deu conta no andamento final, na “partida para a casa do Pai”.

No tempo da fala, não usou somente palavras: falou pelas ações. Por exemplo, com a JOC e a LOC, manteve e dirigiu o “Lar de Nazaré”, simpática instituição onde dormiam e se alimentavam os trabalhadores que já não podiam regressar a casa por falta de transportes. E isso calou fundo nas gentes do Porto. Porventura terá sido por isso que Deus permitiu que o seu funeral se celebrasse no “Dia do Trabalhador”.

Mas falou, também, por âmbitos nem sempre recordados. Quando, em 1956, o Padre Américo, dos Gaiatos, morreu prematuramente, o Padre Manuel -como sempre gostou de ser conhecido- sentiu-se «obrigado» a continuar a ação desse que também falava a linguagem da sabedoria e, por isso, enchia o Coliseu e as igrejas. Com os seminaristas, percorria as escadas e ruelas do Barredo para levar pão e trazer desabafos de miséria. Mas percorria, em tudo, à maneira do P. Américo: até com a batina e a capa atirada para as costas, enrolada à volta do pescoço, qual imagem de marca de ambos.

No preciso dia em que o «Padre Manuel» faleceu, visitei o «hospital de campanha» instalado no tal Palácio de Cristal. O tal que se enchia para o escutar. Encontrei largas dezenas de voluntários a tratar os pacientes que lá se encontram. 80 ou 90% desses «aventureiros da caridade» eram jovens, com largo predomínio dos estudantes de medicina e enfermagem. Desses que, numa situação normal, encontramos nas ruas da nossa cidade ufanos por envergar a capa negra.

Pois é. Agora compreendo: há sinais que identificam ações. Trajar capa e batina só pode exprimir dedicação e proximidade para com os sofredores.

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