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COMPREENDO E ACEITO

Imaculada Conceição – 2019 Todos nascemos n’Ela
   

 

Inserida no tempo de Advento, esta Solenidade da Imaculada Conceição traz-nos à memória uma verdade que parece trivial, mas de importância determinante para a economia da nossa fé: se o Senhor vem, vem por intermédio d’Ela. E vem como Salvador, isto é, como Aquele que liberta o mundo do pecado e instaura na terra as sementes do reino de Deus.

Por conseguinte, esta festa, em tempo de advento, não nos desvia a atenção de Jesus, mas, pelo contrário, ajuda-nos a compreender as razões do mistério absolutamente central da Encarnação: o Salvador, nascido do seio virginal da Imaculada, é Aquele que vem libertar o mundo do mal e do pecado, quer este se chame esquecimento de Deus, ódio aos outros, desunião familiar individualismo e omissão do bem. Mas ajuda-nos, também, a antever o futuro da humanidade redimida pelo Filho de Maria: o «homem novo» será dedicado a Deus e aos irmãos como a Virgem de Nazaré; viverá a plenitude da graça e da verdade a ponto de, também ele, poder ser chamado «cheio de graça».

A Imaculada não se coloca somente, portanto, ao início da história dos redimidos: ela apresenta-se já como o modelo de futuro, a grandeza da meta para onde se dirige a multidão dos redimidos. É aurora do mundo novo que há-de ser contruído já aqui na história. E é também o modelo definitivo de quem torna o seu coração dócil ao plano da redenção.

A primeira leitura escutada apresentava-nos a Mulher e a sua descendência como antítese da serpente, encarnação de toda a mentira e de todo o mal. E o mal personificado chama-se demónio. Mas garantia-nos, também, que essa Mulher e sua descendência haveria de o imobilizar, superar e destruir, esmagando-lhe a cabeça. E o Bem encarnado é visível e tem um nome: chama-se Jesus, Filho de Maria. Então, é n’Ela que se joga o sentido da história: o triunfo definitivo é o do bem, cujo absoluto se chama Jesus; e o mal, cuja personificação maior se designa por Satanás, há de ter um fim.

O Evangelho alarga este conceito que enforma toda a Sagrada Escritura: a arca da aliança, que contem em si o mais santo, agora chama-se Maria, a “cheia de graça”; a cidade santa de Jerusalém, o lugar da morada de Deus junto do seu povo, agora passou o testemunho Àquela que é “bendita entre todas as mulheres”.

Maria é, pois, este milagre de Deus que faz novas todas as coisas. É a sua criação em plenitude, a perfeição consumada. Maria é a graça divina tornada pessoa humana. Mas é também o início da purificação de todo o povo para que viva sempre mais intimamente a aliança com o seu Deus. «Toda de Deus», é o protótipo de cada um e de todos nós, o destino da criação.

Faz-nos bem contemplar este mistério de plenitude. Creio que o nosso mundo está muito pessimista: não acredita que, individualmente, possamos viver sem nos atolarmos na lama de todos os vícios; julga que, familiarmente, não é possível um amor perene e definitivo; não crê que, socialmente, possa existir um estilo de vida desligado da corrupção generalizada, da violência mais ou menos institucionalizada e do fatídico «salve-se quem puder».

É neste contexto que a Solenidade da Imaculada Conceição nos apresenta a maior das sãs utopias: que cada um de nós é chamado a ser “santo porque o Senhor nosso Deus também é santo” (Lev 19, 1); que o povo pode ser, de facto, o povo de Deus; que o reino de Deus é realizável nesta terra. E se assim acreditarmos, as coisas mudam: muitos dos nossos velhinhos deixarão de ser arrumados em lares e asilos porque muitas famílias podem, efetivamente, cuidar deles; a violência doméstica desaparecerá porque o impulso do instinto cederá o passo à verdade de um coração tornado sensível e compassivo; não mais se cometerão abusos sobre crianças e outros frágeis, porque, no mundo da graça, se sujar uma rua com um simples papel que se deita ao chão já é um mal, pisar e destruir um lírio é muito mais covarde e chocante; enfim, alguns pais cairão em si e descobrirão que é um investimento mais seguro o trabalho de uma efetiva educação do caráter dos filhos, por mais que custe, do que a sua anestesia com a satisfação de todos os caprichos, incluindo a desculpa genérica de que “o meu filho não é diferente dos outros e todos os da sua idade fazem isso”.

Nossa Senhora não é nenhuma deusa, mas sim o protótipo da criatura nova ou renovada pela graça. A devoção que lhe temos deve colocar-nos na mesma direção que foi sempre a d’Ela: uma vida pautada pela correspondência ao plano divino, a ponto de podermos dizer “faça-se em mim segundo a tua palavra”, e a preocupação com os outros, a quem Ela deu a preciosidade maior que possuía, o seu Filho.

Caro próximo Presbítero e Diácono, este é o vosso desafio, numa dupla vertente: corresponderdes, a partir do centro do vosso ser, a este plano de Deus para a vossa existência e sensibilizardes os vossos irmãos para semelhante correspondência. É o que eu peço a Deus, para vós, por intermédio da nossa Mãe e Madrinha, a Imaculada Conceição.

 

 

 

 

 

Manuel Linda, Bispo do Porto 08 de Dezembro de 2019