POLITICA DE COOKIES
Utilizamos cookies para assegurar que lhe fornecemos a melhor experiência na nossa página web. Ao continuar a navegar consideramos que aceita o seu uso.
COMPREENDO E ACEITO

 

Da prostração ao levantamento

 

Caríssimos senhores Bispos, Presbíteros e Diáconos,

temo que esta homilia seja mais longa do que o habitual. Desde já peço a vossa benevolência.

Celebramos esta Missa Crismal fora do contexto da Semana Santa, âmbito em que se insere com mais naturalidade, pois nos recorda a dádiva que o Salvador faz de Si à humanidade, e a nós, em concerto, o inexcedível dom de nos tornar participantes do seu ministério profético, sacerdotal e real. Nesse contexto pascal, de despojamento e de oferta salvífica, parece que tudo nos faz redescobrir melhor a essência que nos constitui: a iniciativa do amor divino que nos associa à sua obra de graça e bondade, não para nosso conforto espiritual, mas para a ação salvadora da humanidade, concretamente do povo que nos é confiado. Pelo Sacramento da Ordem, somos elevados à dignidade inaudita de imediatos colaboradores de Deus na obra de elevação espiritual do mundo e de salvação dos homens e mulheres, nossos concidadãos.

Conhecemos a razão pela qual tivemos de transferir esta celebração de quinta-feira santa para este dia no qual, após o falecimento do saudoso D. António Francisco, sufragamos os bispos, sacerdotes e diáconos do Porto que já celebram a eterna liturgia de louvor na assembleia celeste. E esta associação entre a iniciativa de Jesus que nos escolheu para seus discípulos, a correspondência à graça que nos elevada, a adoração do Deus três vezes santo que celebramos e convidamos os outros a celebrar e o tempo obscuro e medonho que nos foi dado viver, transporta a minha mente para um gesto da ordenação que não tem paralelo em mais qualquer outra ação litúrgica e que muito impressiona o povo de Deus quando a observa pela primeira vez: a prostração por terra enquanto se cantam as ladainhas e, no final, a consequente elevação, à voz do Diácono.

Nesse momento forte, o nosso rosto em terra lembra-nos um aniquilamento que somos chamados a fazer dos caprichos e vontade própria para que somente a ação de Deus se realize por nosso intermédio, quais instrumentos livres e colaborantes. Lembra-nos também que a essência do ministério é o culto divino, o louvor de Deus que só pode ser adorado se for conhecido e só será conhecido se for amado. E nós empenhamo-nos determinantemente nisto. Mas lembra ainda que não temos aqui morada permanente, pois esperamos e pregamos outra pátria, essa sim, de eternidade gozosa e feliz.

Desde a última Missa Crismal –também ela celebrada em contexto diferente do habitual, isto é, no dia do Sagrado Coração de Jesus de 2020- passaram à assembleia dos bem-aventurados e ao culto eterno os seguintes irmãos: Padres Avelino Alves, João de Sousa (Carmelita), Joaquim Cardoso, Horácio Gomes (Vicentino) Pires Bastos, Pedro Fernandes (Dominicano), Cón. Orlando Mota e Costa, Manuel da Silva Pereira (Obra da Rua), Cândido Silva, Fernando Rodrigues (Vicentino), Faustino Caldas Ferreira (Redentorista), Alberto Laranjeira, Edgar Afonseca, Carlos Ribeiro, Marinho Santos, Elias Rocha, Carlos Alberto Pereira, César Pedrosa (Capuchinho), Luís Queirós, João de Deus Costa Jorge (Dehoniano) Fernando Carvalho e Cón. António Augusto de Sousa Marques. Também faleceu um Diácono: Abel Carneiro.

Temos saudades deles. Sentimos a sua partida como de membros da nossa família. Mas anima-nos a esperança de que, junto de Deus, eles intercedem por nós. Nós rezamos pela sua plena incorporação na santidade de Deus, na certeza de que também eles pedem ao Senhor força e luz para o exercício do ministério que nos está confiado. Nisto se verifica o que professamos no Credo a respeito da comunhão dos santos.

Mas, na Ordenação, não ficamos sempre prostrados. A dado momento, somos convidados a levantar-nos para a imposição das mãos, a receção do Espírito que passa a possuir-nos e para, mediante a oração consacratória, de algum modo, sermos «transubstanciados», como o pão e o vinho que converteremos em Corpo e Sangue do Senhor. E este levantar-se é tão significativo como o prostrar-se.

Neste mesmo período, «levantaram-se» para servir a nossa igreja os seguintes irmãos sacerdotes: a 12 de julho de 2020, César Pinto, Filipe Vales, José Almonte, José Coelho e Misael Fermín. A 11 de julho de 2021, Carlos Maurício, Davide Costa, Edgar Leite, José Pedro Novais, Leonel Rocha, Luís Delindro, Luís Lencastre e Marcos Silva. E os Diáconos Permanentes Joaquim Pinheiro e Rui Campos.

Também comemoraram alguma data mais marcante desse «levantamento» os seguintes colegas: Bodas de prata (25º aniversário de ordenação, 1996), os Padres José Malenga (Salettino), Nuno Antunes, Paulo Sousa (Passionista); bodas de ouro (cinquenta anos de ordenação, em 1971), os Padres António Correia, António Carvalho e Rui Pinheiro; sessenta anos de ordenação (em 1961), os Padres Américo Monteiro, António Santiago, Pinho Nunes, Carlos Rocha Moreira, Celestiano Ruas, Joaquim Martingo e Rodolfo Ferreira; cumpriu setenta anos de sacerdócio (ordenação em 1951), o Mons. Soares Jorge. No episcopado, o senhor D. Pio Alves de Sousa cumpriu dez anos de ordenação. A todos, sinceros parabéns e obrigado pelo trabalho dedicadíssimo.

Levantar-se, não para ficar estático, mas para ir. E ir em missão. Ir para o mundo, levar a grande notícia de que Deus nos ama e está connosco para assegurar um sentido aos acontecimentos e à história. Como a Bem-aventurada Virgem Maria, nossa Padroeira e Mãe do Clero, a quem confio cada um de vós. Ou como refere o nosso Plano Pastoral diocesano, cujo mote é precisamente: “Levanta-te! Juntos por um caminho novo”. Neste tempo concreto, levantar-se para reconfigurar a comunidade eclesial profundamente abalada pela crise da pandemia; para envolver toda a Diocese, em família e com as famílias, na preparação desse esperado momento de graça e de efusão do Espírito que serão as Jornadas Mundiais da Juventude; e para, evangelicamente, tornar mais luminoso o rosto da nossa Igreja mediante o princípio da sinodalidade, qual responsabilidade de quem se compromete com o que lhe diz respeito.

Caros ministros ordenados, pela graça de Deus, parece que passou o tempo da prostração. Foi duro. Foi duro para todos nós. Quase metade do nosso clero foi contagiado pelo vírus, muitos de nós fomos obrigados a ficar em isolamento, alguns deram entrada nos hospitais, outros estiveram internados nos cuidados intensivos e quase uma dezena faleceram de Covid ou com Covid. Fizemos funerais e outras ações litúrgicas em contexto de muito medo, escutamos desabafos sem saber que responder, tentamos animar as pessoas mesmo quando a esperança parecia esvair-se, tivemos de aprender a comunicação à distância pelas novas tecnologias, demos voltas à imaginação para descobrir como proceder nos lares e ERPI’s quando os poderes públicos nos abandonaram, choramos por ver as nossas igrejas vazias, fornecemos alimento e ânimo a bocas esfomeadas e a corações despedaçados e levantamos continuamente as nossas mãos para o Alto a implorar a Salvação do nosso povo. Sim, em pé de igualdade com os profissionais de saúde e com as forças de socorro e segurança, ninguém esteve mais com o povo do que nós! Ninguém sofreu mais com ele e por ele do que nós! Este é o nosso título de glória, a nossa honra. Parabéns!

Mas, agora, é a ocasião do levantamento. Levantemo-nos e vamos. Não para a sacristia. Mas para o mundo. Para, como também diz o nosso Plano Pastoral, recuperar a alegria das nossas celebrações, refazer o tecido da comunidade, revitalizar os grupos de apostolado, criar outros novos que correspondam às necessidades do momento, ousar novas propostas e respostas pastorais, usar de uma maior caridade e coragem criativas, enfim, implicar todos os fiéis em Cristo nesta tarefa sinodal e bela de amarem e se comprometerem com a Igreja que formam e a quem pertencem.

Invoco a intercessão de S. José, defensor da Igreja e protetor do Sumo e Eterno sacerdote. No seu silêncio comunicativo, eles seja sempre nosso guia, companheiro de jornada e estímulo de trabalho apagado e simples.

+ Manuel Linda

 

Manuel Linda, Bispo do Porto 09 de setembro de 2020