Abertos à novidade de Deus
Homilia da Missa da 41º Peregrinação dos Espiritanos a Fátima
Presido a esta Eucaristia porque aceitei o honroso convite do Provincial da Congregação dos Missionários do Espírito Santo de me inserir na 41ª peregrinação nacional desta grande família dos Espiritanos. Faço-o com gosto, por motivos de amizade, porque inúmeros missionários são originários da Diocese do Porto e porque eu próprio tenho as missões em alta estima, convencido como estou de que o timbre de vida cristã de uma Diocese também se pode aferir pelo número e qualidade dos evangelizadores além fronteiras que ela gera. Um missionário exprime sempre o melhor da Igreja que é ser fiel ao mandato do Senhor de ir e fazer discípulos, isto é, de tornar conhecido o nome de Jesus Cristo, único Salvador da humanidade, e de fazer com que a fé revele o dinamismo da alegria que lhe gera a comunhão com Deus.
O lema que enquadra esta peregrinação foi retirado do livro do Profeta Isaías: “Vede bem: vou fazer algo de novo” (Is 43, 19). Trata-se de uma expressão que remete para tomadas de consciência que são muito úteis para nós que temos de sonhar e construir, com ousadia e dinamismo, um tempo diferente para a fé, agora que esperamos uma nova aurora e um novo dia, depois da escuridão da noite da pandemia que também «confinou» tantas atividades de anúncio e evangelização. O que dá pretexto para uma breve reflexão, iluminada por esta frase.
Quando o profeta a escreveu, a história do povo bíblico tinha muitas semelhanças com a nossa: vivia na maior escuridão do exílio da Babilónia, escravizado e encurralado, e não eram poucos os derrotistas que se lamentavam e diziam que Deus se tinha esquecido deles, que Deus os tinha abandonado. O povo lembrava-se do que acontecera no êxodo do Egito e nos grandes acontecimentos da travessia do Mar Vermelho. Mas isso já estava lá para trás, muito longínquo no tempo. Agora, não experimentava o poder libertador de Deus e as suas obras grandiosas, mas sim o sofrimento, o abandono, a falta de esperança.
Mas o Deus da Aliança jamais abandona o seu povo. Porque o ama, preocupa-se com ele, acolhe-o, cura-o, protege-o, perdoa-lhe as infidelidades, cativa-o para o regresso ao amor mútuo e convida-o a sonhar novos tempos e novas possibilidades. Para isso envia Isaías com uma mensagem de profunda esperança para acalentar o coração desses exilados. Promete-lhes um novo êxodo: um regresso à pátria, uma nova libertação. Claro que vão encontrar os terrenos incultos, as casas destruídas e o templo profanado. Mas há que meter mãos à obra e edificar a pensar no futuro. O Deus fiel quer que a resignação dê lugar ao investimento em novidade e a desconfiança se ultrapasse e se transforme em sonho, em ânimo coletivo, em projeto de todos.
Hoje, como nesse tempo, o Senhor também nos dirige a palavra: “Eis que faço algo de novo. Não o vedes?”. Como no tempo do exílio, é verdade que entre nós e em todo o mundo há sofrimento, dor e luto. Mas Deus não quer que fiquemos neles. Importa mover-se, avançar, colaborar, dar as mãos, programar, sonhar uma sociedade mais comprometida e solidária, ir ao encontro dos mais frágeis para sair da negrura da noite e entrar na claridade do dia. A nova Jerusalém, o mundo que nos é dado habitar, têm de ser reconstruídos. É possível uma nova civilização, um diferente convívio entre nós, um futuro risonho não só para alguns, mas para todos. Podemos, de facto, movermo-nos na direção de grandes metas, novos horizontes, de algo de maravilhoso se substituirmos os nossos medos pela ousadia, o nosso egoísmo por uma ação mais solidária, o nosso materialismo pela preocupação de ajuda a todos, especialmente àqueles que, pelas suas forças não conseguem levantar-se para caminhar.
É este incentivo ao compromisso e à ação que também encontramos nas leituras desta Missa, há pouco escutadas. É curiosa aquela expressão de Ezequiel, que nos aparecia na primeira: “O Espírito de Deus entrou em mim e fez-me levantar”. E logo a seguir: “Dizia-me: Eu te envio”. Repare-se: se deixamos que Deus se aproxime de nós e faça morada no nosso coração, então não mais permaneceremos colados à cadeira, de braços cruzados, mas levantar-nos-emos para ir de encontro a tantos irmãos, filhos, também, deste Pai comum, que precisam Sua ação libertadora. Mas ação que se realizará por nosso intermédio. Se não colaborarmos, ficará por fazer.
Ora, encontramos nisto o paradigma da ação evangelizadora ou missionária, dentro ou fora do país. O Evangelho escutado, que parece mesmo aplicar-se a este nosso tempo, fala-nos de rebeldia dos habitantes de Nazaré, onde Jesus tinha vivido a maior parte da sua vida. Habituados a medir tudo a partir do velho esquema dos preceitos de Moisés, não se abriram à novidade. Como tal, não descobriram o Messias do futuro, mas apenas o “filho do carpinteiro” do passado. Fecharam-se à graça. E perderam. Perderam muito, pois o Salvador “não fez ali qualquer milagre”. Os grandes milagres seriam feitos nas aldeias vizinhas. Mesmo assim, não abandonou a sua terra, pois diz o Evangelho que realizou “algumas curas impondo as mãos”.
Também hoje, entre nós e nesta Europa que foi a primeira a receber o cristianismo, muitos não se abrem à graça e ao futuro. Cansados, sentam-se à beira do caminho religioso, sem o percorrerem. É preciso que nós, os crentes, ao passarmos por essas pessoas, as animemos, as incentivemos a mover-se, as convidemos a fazer-nos companhia. Uma Igreja em saída, como diz o Papa Francisco, olha apaixonadamente para toda essa gente e, numa simpatia caldeada com amor de salvação, lança-lhes um olhar de ternura e oferece-lhe a mão para se apoiarem. E, assim, caminhamos juntos, sinodalmente, como já ouvimos e iremos ouvir muito mais nos tempos próximos, pois a marcha da Igreja é sempre em conjunto e nunca individualmente. Aqui no nosso meio ou em terras que antigamente classificávamos como de missão.
Nossa Senhora é o exemplo de quem recebe o Espírito de Deus e não se cola à cadeira: parte e arrasta a prima Isabel e toda a família para o futuro, como conhecemos daquele texto que o Para escolheu como referência para as Jornadas Mundiais da Juventude de Lisboa, em 2023. A Ela confio toda a família Espiritana, toda a Igreja, todos os evangelizadores e todos vós, caros peregrinos e quantos vos são queridos.
+ Manuel Linda