O Espírito e os tempos incertos
Homilia de Pentecostes - 2022
Olho para vós, caros jovens crismandos, e interrogo-me: que sonhais?; a que aspirais?; que realidades contestais?; que negais e afirmais?; que mundo diferente imaginais?; com que vos comprometeis? É que eu creio que os grandes parâmetros que definem a juventude não mudaram. E hoje, tal como quando eu fui jovem, a contestação das injustiças e podridão do mundo em nome de uma sociedade mais humana, racional e pacífica, certamente toma conta de vós, constitui motivo da vossa preocupação e exprime a generosidade dos vossos sonhos.
Graças a Deus que isso sucede. O pior que podia acontecer a um jovem é que ele tivesse nascido velho, sem sonhos nem aspirações, sem coração apto a amar o bem e sentir a opressão do mal, indiferente aos outros e ao seu sofrimento. Esse seria alguém precocemente apoiado nas muletas da indiferença e do egoísmo. E temo muito que alguns colegas vossos tenham nascido assim: velhos. Nascido ou se tenham tornados dessa maneira porque a cultura dominante, a maneira de pensar que nos impingem, é uma espécie de anestesia da indiferença, uma sedação para que a pessoa fique em estado de indiferença e não sinta as dores, sofrimentos e gritos de tantos que pedem mudança.
Mas podemos interrogar-nos: o mundo presente não é o melhor possível?; as coisas já não estão todas muito bem?; vale a pena modificar as coisas? Basta ver: os grandes fazem consensos para que tudo permaneça como está. E como está? A seu favor. Por isso, uns prosperam cada vez mais e outros vegetam na pobreza. Uns destroem a natureza que Deus deu a todos e outros sofrem-lhe particularmente as consequências. Uns promovem grandes cimeiras internacionais e o povo sofre os efeitos das suas decisões desleais e destruidoras. Uns adoram a morte e querem impingi-la à sociedade e outros irão sofrer-lhes os resultados. Uns destroem a vida por nascer e chamam a isso sinal de modernidade e muitos caem nessa armadilha que gera remorsos para toda a vida. E tudo, tudo, a coberto das opiniões maioritárias dos dirigentes que podem mudar –e mudam- de um momento para o outro. E chamam a isso a suprema garantia de felicidade das decisões democráticas. Como se a democracia fosse indiferente ao bem e ao mal objetivos.
É certamente tudo isto e muito mais que vós não podeis aceitar. Mas a Igreja que todos formamos também não concorda com isso. Aliás, neste Dia de Pentecostes, a oração que mais entoamos é o refrão do Salmo responsorial: “Mandai, Senhor, o vosso Espírito e renovai a terra”. Renovar quer dizer voltar a fazer novo, restaurar aquele ar de juventude que o acumular do pó da história vai ocultando. Renovar quer dizer substituir esta mentalidade velha por uma outra bem mais agradável e jovem. Em vez da mentira organizada, da injustiça omnipresente, da indiferença para com o outro, do ódio nas relações sociais, no privilegiar da morte em vez da vida, enfim, do egoísmo tornado critério dominante, instaurar a verdade das coisas, a preocupação pelo bem comum, o fazer-se próximo do irmão, a vivência do amor social, cantar a beleza de todas as vidas, instaurar a efetiva fraternidade universal.
Vamos a isto, caros jovens? Para isso, precisamos do Espírito de Deus. Vede os Apóstolos. Logo depois da ressurreição começaram a proclamar a vida nova do Senhor Jesus. Não obstante, quando as dificuldades surgiram, barricaram-se em casa. O Evangelho de hoje fala nas “portas fechadas com medo dos judeus”. Entretanto, vem o Espírito Santo e soltam as amarras: não só saem para fora de casa para pregarem a todos como partem para as fronteiras do desconhecido. É que o Espírito de Deus transforma em coragem as atitudes de falsa prudência típicas dos tempos incertos.
É este Espírito Santo que gera a alegria, a paz e a coragem, ideias muito presentes nas leituras deste dia. Fundamentalmente, faz passar do «eu» ao «nós». A muitos títulos. Pensai nos Apóstolos e na sua consciência de que constituem um grupo muito próprio: “Nós somos testemunhas de tudo isto”, diziam eles. E pensai também nos que os ouviam e no seu espanto de os perceberam nas suas próprias línguas: “Não são todos galileus os que estão a falar? Então, como é que os ouve cada um de nós falar na sua própria língua?”. É que a especialidade do Espírito Santo é fazer da diversidade um só povo. Um povo tão unido que se constitui em verdadeira família. Em Igreja.
Caros amigos, é este Espírito Santo que vós agora recebeis, neste dia do vosso Crisma. Deixai-vos contagiar por Ele. N’Ele, sede pessoas de alegria, de paz, de coragem e implantai estes valores no nosso mundo. Contestai o mal. Mas, fundamentalmente, semeai o bem. Oferecei as vossas vidas sedentas de verdade para estas tarefas. Na vida matrimonial, certamente. Mas também na vida missionária, religiosa e sacerdotal. Porque não? Se o projeto de Deus para vós passar por aí, quem teria coragem de contrariar o seu plano amoroso, o caminho de felicidade que Ele estende à vossa frente?
Um grande santo da Igreja, São Boaventura, dizia assim: “O Espírito Santo vem aonde é amado, aonde é convidado, aonde é esperado”. Amai o Espírito de Deus, convidai-O para a vossa existência, abri-Lhe a porta do vosso coração generoso.
+ Manuel, Bispo do Porto