A esperança e o tempo novo
Homilia da Missa do 1º Domingo de Advento e instituição em Ministérios
“Bom ano novo”, poderia ser uma expressão comum para os nossos lábios, no dia de hoje. É que, a nível litúrgico ou da fé vivida, celebrada e difundida, começa um novo ciclo. Não só um “ano”, como se fossemos incapazes de pôr travão à voracidade do tempo. Mas um ano “novo”, isto é, que nunca se viveu e se espera de plenitude, daquela felicidade que nos advém do contacto mais íntimo com o Deus-Amor que nos visita e a Quem, tantas vezes, teimamos em não O querer perto de nós.
Para designar este início do tempo novo, usamos a palavra “Advento”. Na sua origem, esta palavra significa aproximação, abeirar-se do local ou da circunstância onde se deseja entrar. É a atitude dos nómadas que caminham em direção ao oásis, mesmo sob o sol tórrido dos dias e o gelo das noites do deserto. É o soltar da força interior que nos impele a um encontro feliz e ansiado. É o sentir a proximidade de Deus connosco e de nós com Ele, de nós com os irmãos e vice-versa e até de nós connosco mesmos.
Antigamente, o Advento era designado por «tempo da esperança». E de esperança se falava na primeira leitura quando o profeta faz como que profissão de fé num Deus que não desilude: “Nunca os ouvidos escutaram, nem os olhos viram que um Deus, além de Vós, fizesse tanto em favor dos que n’Ele esperam”. E esses que n’Ele esperam, hoje, somos nós. O cristão é, portanto, “o que tem esperança”, como diria S. Paulo (1Tes 4, 13). O que tem esperança e que sabe que possui boas razões para a ter. Porque “Deus é fiel”, não falha, como garantia a segunda leitura.
Então, como vamos de esperança? Em que alicerce a fundamos?
Em primeiro lugar, na fidelidade de Deus que veio até nós em carne humana e, mesmo depois da ressurreição, prometeu e cumpre: “Não vos deixarei sós. Estarei convosco até ao fim dos tempos” (Mt 28, 20). Depois, a certeza da «nova criação», garantia de que a fidelidade à terra nos remete para a fidelidade ao céu e vice-versa: quem vive a fé preocupa-se com os outros e o cuidado social, para um cristão, dá-se porque todos somos irmãos em Jesus. Daqui resulta, em terceiro lugar, que a esperança cristã é uma “esperança contra toda a esperança” (Rom 4, 18). Isto é, uma esperança árdua, que necessita de ser construída no empenho ativo, quando não no sofrimento. Finalmente é uma esperança amassada em atitudes. Só quem tem fé e amor pode ter esperança. Lembremo-nos da célebre expressão do poeta francês, Charles Péguy: a esperança é a irmã mais pequena das outras virtudes, da fé e da caridade. Parece frágil. Mas é a que faz andar as outras duas, as arrasta e as faz chegar ao mundo inteiro.
Caros Instituendos em ordem ao Ministério Ordenado, o Evangelho diz-nos que foi à pessoa humana que o Senhor confiou o mundo. E que esta, tanto pode vigiar e estar ativa como dormitar e cruzar os braços. É necessário despertar a todos, particularmente aos mais propensos ao sono, verdadeira doença que se opõe ao necessário dinamismo de edificação do Reino de Deus. À vossa medida, sereis vós estes mesmos despertadores que Deus envia ao meio do grande mundo dormente e trôpego. Os instrumentos que usareis não são os do barulho dos tiros ou os gritos da violência, mas o serviço da Palavra e o convite para a reunião à volta da mesa onde a grande família da Igreja se alimenta do Pão da Palavra e do Corpo do Senhor. Por isso, dizei a todos esta grande novidade: que o cristão espera em Deus porque, primeiro, Deus esperou e confiou nele. Mesmo se adormecido. Que Deus esperou e confiou que cada um de nós correspondesse ao seu amor. Que Deus espera e confia nas nossas imensas possibilidades de bem, de ternura, de encanto.
Irmãs e irmãos, a nossa Diocese possui a proposta de uma «caminhada» para este tempo do Advento e Natal. O título que se lhe deu foi: “Vamos com alegria. Vamos todos a Belém”. E esta primeira semana começa logo por um belo mote que se foi buscar a S. Paulo: “Alegres na esperança”. Sim, alegres porque vamos na direção do oásis desejado; alegres porque estamos perto d’Aquele com Quem ansiamos juntar a nossa vida; alegres porque a esperança nos garante um tempo novo de fé, amor e fraternidade.
Que a Senhora da Esperança ou Senhora do Advento nos pegue pela mão e nos conduza a essa novidade e às fontes da salvação.
Manuel Linda, Bispo do Porto 03 de dezembro de 2023