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COMPREENDO E ACEITO

 

Páscoa da Ressurreição

Crise pede renovação pascal

 

No dia de hoje, mesmo que o não saiba, metade do nosso mundo torna-se verdadeiramente apóstolo e anunciador da verdade central do cristianismo: a de que o Senhor ressuscitou. De facto, quando cantamos aleluias ou simplesmente pronunciamos a palavra “Páscoa”, já estamos a referir a grande passagem de Jesus, o Cristo, da morte e do túmulo à vida radiante e à glória da salvação por Ele operada. Como Maria Madalena, no Evangelho, ou Pedro e João, na primeira leitura, implicitamente, anuncia-se aos outros, crentes ou pagãos, o grande núcleo da fé que os dois Apóstolos sintetizaram nesta frase: “Nós somos testemunhas de tudo o que Ele fez no país dos judeus e em Jerusalém; eles [os nossos chefes] mataram-n'O, suspendendo-O na cruz. Mas Deus ressuscitou-O ao terceiro dia”. Palavras que radicam no que eles viram e comprovaram tantas vezes, a começar por essa manhã fresca e nova da Páscoa.

Não obstante, esse facto não deixa de ser o grande mistério. Racionalmente, não temos provas: apenas o testemunho dos que viram e de quantos haveriam de acreditar, até essa boa notícia chegar a nós. Trata-se, de facto, de um mistério tão grande que nos faz sentir pequeninos. Especialmente se pensarmos que é a partir desse acontecimento que se dá a renovação do mundo libertado da escravidão do pecado e da morte e a nossa própria salvação como abertura familiar a Deus e ao amor, paz e fraternidade do seu reino. Que é a partir desse dia que o tempo se faz novo, a ponto de podermos falar de um antes e de um depois da ressurreição.

Este mistério de júbilo e renovação é para todo o sempre. A fé não foi mais forte e contagiante no princípio do que hoje. O ser humano sempre projetou e projeta para o Transcendente a salvação que não encontra em si. A dimensão religiosa, explícita ou intuída, é inerente à nossa natureza. Então, porque é que tantos se tornaram indiferentes? Porque falamos em crise de fé e da Igreja?

Quase sempre porque pensamos num horizonte temporal muito curto: em períodos de tempo em que a religiosidade se tornava quase palpável, separados por muitos outros em que se verificava o contrário. E hoje? Creio bem que a crise não reside tanto no número de praticantes quanto na noção que nós fazemos de Deus e na consequente pregação. De facto, se apresentamos ao mundo um Deus do qual sabemos tudo, um Deus «dominado» pela nossa inteligência, como fez a época moderna, então deixamos escapar a verdade indisponível sobre Ele. Ele transcende sempre os nossos conceitos e certezas. Ele é mistério de luz que ultrapassa as capacidades do nosso olhar e verdade que a nossa mente não consegue traduzir em fórmulas. Ele é o Ressuscitado!

Por isto, ser crente e pertencer à Igreja é viver voltado para o abissal mistério de Deus. É ser sinal de proximidade a este mistério, que não se domina, mas se vive amorosamente. E isto constitui o testemunho mais credível para a perceção de Deus por parte de um mundo tecnicizado como o da atualidade, que implicitamente O procura, mas que confunde «salvação» com a abundância de produtos que apenas resolvem as necessidades básicas. E, infelizmente, não a todos. Ser crente, é viver a profunda espiritualidade dos místicos, tantas vezes traduzida na noção da «noite escura» ou do «silêncio de Deus» perante o mal no mundo, a única que vence as identificações fundamentalistas do culto e a relativização, dita progressista, das verdades da fé, sinal de algum clericalismo dos leigos e de não menos laicização de clérigos.

Nesta Páscoa, o Senhor sai do túmulo para vir ao nosso encontro e, como sempre, convida-nos a «vê-l’O» mediante o olhar misterioso da fé e a sensibilidade de um coração ternurento. E convoca-nos para anunciarmos ao mundo a alegre notícia da ressurreição. Ele vai diante de nós, agora já não para a Galileia, como referia o Evangelho, mas como “caminho, verdade e vida”, luz de felicidade e presença de alegria. Como tal, como escreveu o Papa Francisco, “por mais que te possas afastar, junto de ti está o Ressuscitado que te chama e espera por ti para recomeçar. Quando te sentires invadido pela certeza, os rancores, os medos, as dúvidas ou os fracassos, Jesus estará a teu lado para te devolver a força e a esperança” (CV2).

Irmãs e irmãos, particularmente vós os desalentados e tristes, os que não encontram forças para caminhar ou só experimentam a negrura das trevas, Cristo vive! Este está a nosso lado como fiel companheiro, fortaleza, amor que não falha. Só nos pede a resposta àquele seu amor tão misericordioso e forte que O levou a dar a vida por ti e por mim. Deixemo-nos tocar por Ele. Feliz Páscoa!

 

 

Manuel Linda, Bispo do Porto 9 de abril de 2023