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COMPREENDO E ACEITO

 

O futuro não se espera: gera-se

Homilia da Solenidade de Cristo rei - 2023

 

Atingimos o final do ano litúrgico. Ao logo de 52 semanas, acompanhados pela mão do evangelista São Mateus, fomos entrando, pouco a pouco, no mistério de Cristo, para contemplarmos o seu ser e o seu rosto. E chegamos aqui: à descoberta de um Rei-Pastor. Por isso, designamos este Domingo como “Solenidade de Cristo Rei”.

Esta ideia do Rei-Pastor é muito antiga e densa de significado. A primeira leitura, de Ezequiel, escrita depois da queda de Jerusalém e da deportação para o cativeiro da Babilónia, é retirada de uma secção que contém uma série de oráculos ou de profecias animadoras e geradoras de esperança. Antevê-se um Rei que se preocupará com todos e cada um, tal como um Pastor apascentará dedicadamente as ovelhas e as levará ao alimento e ao repouso. A Igreja sempre interpretou esta passagem como uma referência a Jesus Cristo, o verdadeiro Rei-Pastor. Esta mesma ideia confirma-se no Evangelho. Diz-se que Ele mesmo se sentará no trono para julgar –o Rei- e separará as ovelhas dos cabritos –o Pastor- símbolo dos justos e pacíficos ou dos rebeldes e agressores.

Reparemos neste julgamento final, para compreendermos quem é o nosso Deus. Não se faz qualquer referência às nossas maldades, quedas e defeitos, mas apenas aos gestos de bondade que praticamos: o termos visto alguém com forme e dar-lhe de comer, com sede e dar-lhe de beber, acolher um peregrino, etc. Quer dizer: Deus não fixará o seu olhar no meu íntimo para patentear as minhas debilidades, os meus pecados, a minha sujidade, mas centrá-lo-á fora de mim para valorizar as lágrimas que enxuguei, o conforto que transmiti, o pão e a água do ânimo e da esperança que dei para que alguém prosseguisse a viagem da vida. Deus não remexerá nas minhas fragilidades, mas apreciará antes as sementes de bem que fui capaz de fazer crescer.

Por outro lado, Ele também não se coloca ao centro para nos repreender: «olha que não Me adoraste como devias, não rezaste como era suposto que o fizesses, faltaste muitas vezes à Missa, não cultivaste a tua fé, não deste testemunho de Mim». Não. O Senhor parece não querer fazer valer os seus direitos, mas sim os direitos dos pobres. E também não nos exige que façamos milagres, que com um toque de magia acabemos com a pobreza, a tristeza, a solidão, a amargura, seja ela qual for. O que nos ordena é que nos comprometamos com essas situações e façamos o que pudermos.

Nesta linha, refiro a celebração, todos os anos, neste dia, de uma Jornada da Juventude, a nível de cada Diocese. Por necessidade pastoral, celebrámo-la ontem, em Ovar. A pensar neste género de pobrezas, pedi aos muitos jovens participantes que cada um apadrinhasse uma pessoa débil: um sem-abrigo, um drogado, um velhinho que vive em solidão, uma pessoa com deficiência, etc. E eles comprometeram-se. E porque não pedir isso a cada um dos nossos cristãos diocesanos, a começar por vocês que estão nesta Sé? Sim, o desafio é para todos. Não estou a pensar em «sustentar» essas pessoas, sob o ponto de vista económico, mas em conversa com elas, gerar amizade, preocupar-se pelo seu bem-estar como se se tratasse de um familiar. Fica o desafio.

E é o que peço a vós, caros jovens de Santo Tirso, que agora ides receber a cruz, ícone da JMJ: tratai-a com todo o respeito e fazei-a circular por todas as Paróquias e instituições, já que, daqui a um ano, celebraremos lá a próxima Jornada Diocesana. Que ela seja motor de dinamismo, sobretudo na instauração de novos valores, especialmente na relação com quem mais sofre. Construí uma civilização diferente, pois o futuro não se espera: gera-se. É que a fé é concreta e não uma qualquer abstração.

O grande reformador religioso, São Bernardo de Claraval, mandou escrever nas paredes de um mosteiro por ele fundado: “Aqui, Cristo é adorado e alimentado” (nos pobres que lá ocorriam em busca de pão e de consolo). Que belo! Oxalá todos sejamos capazes de O adorar com mais intensidade e de O alimentar nos pobres.

 

 

 

Manuel Linda, Bispo do Porto 26 de novembro de 2023