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COMPREENDO E ACEITO

 

“Alegres na esperança”

Homilia no Dia da Juventude - 2023

 

Esta é a primeira grande celebração que realizamos depois da memorável JMJ. À nossa mente volta o clima de uma grande espiritualidade, empolgamento, serenidade, paz, fraternidade e até euforia. Foi possível conciliar uma enorme alegria e um estado de bem-estar emocional com algum desconforto, tal como as longas caminhadas, o sol escaldante, as refeições fora de horas e até o dormir em cima de pedras! Mas tudo isso aconteceu, em contexto de assinalável felicidade, sinal de que não é o tecnológico e o material que nos garantem o bem-estar mais profundo, mas sim uma outra dimensão que pode e tem de ser contruída cada vez mais intensamente. Por certo, a pensar nisto, os organizadores desta celebração propuseram-me que se usasse, na Missa, as orações e as leituras pelas quais pedimos e refletimos sobre a paz e a harmonia universal a que somos chamados enquanto membros de uma única família: a família humana.

Numa daquelas profundas intuições que lhe são típicas, um dia, o Papa Francisco interrogava-nos sobre a diferença entre paz e tranquilidade. Perguntava se todos queremos a paz ou somente a tranquilidade. Isto é, que não nos causem problemas, que nos «deixem em paz». Mas, nesta linha, a paz não passaria de um egoísmo: que não se metam comigo porque eu também não faço nada, nem contra nem a favor dos outros.

Mas a paz não é isso. É produto de uma construção ativa e difícil. Acontece no compromisso, na colaboração, na paciência. Quando nos empenhamos no bem do próximo concreto e no de todos os outros, aí lançam-se sementes de paz, desarmam-se as possíveis violências, desmilitariza-se o campo de guerra do nosso coração, retiram-se as minas com que matamos os outros pensando que, assim, defendemos a nossa vida.

Mas é o contrário: só dando se recebe. Só plantando se colhe. Como tal, a cruz, dádiva suprema de tudo o que se pode oferecer –perdão, sangue, vida, salvação- a cruz, dizia, é a verdadeira «cátedra da paz». Por isso lhe concedemos tanto relevo naquilo que denominamos «a visita dos símbolos», na nossa Diocese, em outubro de 2022, e agora temos aqui a réplica para que essa profissão de fé e de vida continue e ainda mais se alargue. É esta cruz que dá credibilidade ao «discurso da montanha», as bem-aventuranças que ouvimos no Evangelho: elas constituem a identidade dos santos, a bússola da vida que navega no rumo certo, mesmo contra a corrente, ao contrariar o comodismo que nos pode possuir e a tal letargia do “deixem-me em paz”.

Caros jovens, no coração de cada um de nós habita o desejo de plenitude e de fraternidade total, a única via ou autoestrada para a paz. É nele que radica aquela ânsia profunda de darmos o nosso contributo e nos empenharmos nas causas nobres quais sejam a de construirmos uma economia na qual a única gramática não ande somente à volta da palavra «lucro», mas que se conjugue com outras como comunhão, atenção ao que não pode pagar, crescimento integral e responsabilidade social; a de sobrepormos a preservação da natureza à ganância e à sofreguidão do consumo; a da presença junto dos velhinhos que vivem em solidão; de ajudarmos os sem-abrigo e toxicodependentes a recentrarem-se na vida e sua beleza; etc. Por falar nisto: e se lançássemos a campanha de cada jovem «apadrinhar» um débil, seja ele um sem-abrigo, um drogado, um velhinho, um portador de deficiência, etc.? Vamos a isso? Vamos fazer de cada jovem cristão do Porto um padrinho de quem precisa de uma palavra de estímulo, de ânimo, de se sentir gente no meio da gente, enfim, de não ter como único companheiro da vida o contínuo silêncio dos sós? Reparem que não se pede dinheiro ou outros bens. Pede-se… alguma palavra de ânimo. Para que se sinta pessoa porque tem outra que fala com ela.

Sabeis que estamos aqui na celebração anual da Jornada da Juventude, vivida nas dioceses. O Papa envia sempre uma mensagem própria. Para hoje, tem o sugestivo título: “Alegres na Esperança”. A propósito: não sei se sabíeis que os bispos, quando são eleitos, costumam escolher uma pequena expressão bíblica que identifique como que o espírito que o vai animar. Imaginais qual foi a que eu escolhi? Nem mais nem menos que esta mesma expressão: Sede alegres na esperança. Em latim, spes gaudentes.

Vou pegar numa frase do muito amado Papa Francisco para esta Jornada: “Às vezes, à noite, saís com os vossos amigos e, se estiver escuro, tomais o smartphone e acendeis a lanterna para iluminar. Nos grandes concertos, milhares movem aquelas luzinhas ao ritmo da música, criando um belo cenário. De noite, a luz faz-nos ver as coisas dum modo novo e, mesmo na escuridão, emerge uma dimensão de beleza. O mesmo se passa com a luz da esperança, que é Cristo”. É verdade. Andávamos desanimados, mesmo na vida da Igreja. Só via-mos abandonos, indiferença, oposição, cinismo, falta de fé, etc. E, afinal, a luz da multidão da JMJ de Lisboa mostrou-nos que estávamos enganados.

Neste clima de alegria e de esperança, confronto-vos com uma proposta minha, que ando a maturar há já dois ou três anos: seria possível mantermos de pé os grupos que se constituíram para a ida à JMJ, os paroquiais, as famílias de acolhimento, os Comités Organizadores paroquiais, vicariais e diocesano, de lançar desafios aos indiferentes para, até ao jubileu de 2025, num verdadeiro registo sinodal, refletirmos sobre o que os jovens de hoje anseiam para esta nossa Diocese no futuro próximo? Seria possível uma espécie de Sínodo diocesano juvenil em ordem à reflexão, compromisso e missão?

Porque vos conheço, acredito que vai ter desenvolvimento. Acredito que será viável, entusiasmante e com ótimos resultados. Vamos começar já a arregaçar as mangas? Para funcionar como motor de arranque, confio esta tarefa a todos e cada um dos que constituíram os vários departamentos do Comité Organizador Diocesano.

Jovens, desculpai esta homilia, mais longa do que o habitual. Mas é o coração que me leva a pronunciar todas estas palavras. Acolhei-as no vosso coração como palavras de um amigo. Como Maria acolheu no seu coração a mensagem do Grande Amigo: a notícia salvadora que lhe chegou pelo Anjo da Anunciação.

 

 

+ Manuel Linda