Matrimónio: rosto visível e definitivo da própria liberdade
Creio bem que, neste momento e neste contexto, quem deveria fazer a homilia seríeis vós. E eu e os não casados em geral, deveríamos escutar, pois teríamos muito a aprender. Sim, vós é que tendes o conhecimento que surge de causa própria –a vivência matrimonial- e sois portadores de uma tal densidade de vida que assenta num estado de emoção que sobrepassa, em muito, a razão ou uma doutrina, por mais perfeita que seja. Não obstante, como não seria muito fácil pôr estes quase mil casais a falar, então sou eu quem vos oferece uma reflexão, embora com muita, muita simplicidade.
Nestes tempos de forte mutação cultural e de pluralismo em todos os âmbitos, quando se fala da família, quase sempre se acentuam os problemas e dificuldades. Não seguirei esse caminho, que é uma armadilha, pois somente os aspetos belos e positivos são capazes de animar e dar coragem. Ora, o mais belo do matrimónio cristão sois vós. E sois vós enquanto, mesmo no silêncio da palavra e apenas com o testemunho do exemplo, evangelizais o mundo ao mostrar-lhe que é possível viver a condição cristã da família sendo cônjuges, sendo pais, sendo membros responsáveis da sociedade humana.
Reparai: o Senhor chama sempre, a todos e a cada um, para a felicidade. Aos que sentem o sadio e santo atrativo matrimonial e aos consagrados, alguns dos quais de absoluta clausura; aos Padres e aos Diáconos; aos missionários e a quantos deixaram de casar para melhor poderem servir os irmãos. Existem muitas vocações, de facto. Mas para todas elas, em pé de igualdade, para retribuir em felicidade, exige três coisas: que estas vocações sejam motivadas pelo amor e jamais pelo egoísmo; que sejam definitivas e não a prazo; que sejam vividas segundo os critérios do Evangelho e no Espírito de Jesus. Por isso, sabiamente, a comissão organizadora quis ter nesta celebração também sacerdotes e religiosas que se encontram em datas jubilares.
Quer isto dizer que o Matrimónio não pode derivar apenas de uma atração inicial, mais ou menos erótica, mais ou menos possessiva, entre um homem e uma mulher. Ele é muito mais que isso: é o rosto visível e definitivo da própria liberdade de entrelaçar a existência com a liberdade e a vida da outra parte. Daqui surge um novo rosto, uma nova entidade que não refere tanto o nome dele e dela, mas do todo. Como diz a Escritura, “o homem deixará pai e mãe para se unir à sua mulher e os dois serão uma só carne”. Por isso falamos da família tal ou da família X. E este novo rosto revela o rosto de Deus: Deus é o amor que nos envolve na Sua plena liberdade. É verdade, caros jubilados: vós sois, também, rosto visível do Deus invisível, que é amor e liberdade.
Ora, isto remete para outro dado: quem vive o matrimónio como vocação assenta a existência na fé e professa a fé, já que a vida familiar não se resume a umas específicas relações humanas, mas sim a uma travessia dos dias, com a certeza da presença do Senhor que carrega a vossa cruz quando ela se apresenta pela frente, e dá forças para se assumirem, convictamente, as múltiplas responsabilidades. Se souberdes viver na serenidade, na liberdade e na oração, descobrireis a beleza desta vocação. Deixai que vos recorde a abertura de um filme clássico sobre os mistérios do rosário: "Família que reza unida permanece unida".
Caros casais, as leituras desta Missa, Solenidade da Santíssima Trindade, não só nos remetem para a contemplação desse grande e fascinante mistério de um Deus-Família, como nos revela o seu ser mais íntimo: o absolutamente diferente de nós, o Transcendente, mostra-Se próximo de nós, nosso protetor e amigo. Recordemos expressões da primeira leitura, tais como: “Qual foi o deus que formou para si uma nação […] com tão grandes maravilhas, como fez por vós o Senhor vosso Deus?”. Ou: “Cumprirás as suas leis e os seus mandamentos […] para seres feliz, tu e os teus filhos depois de ti, e tenhas longa vida”. Sim, o rosto de Deus é de amor, e amor livre, como há pouco referia.
Tendo presente o Evangelho deste dia, para que o mundo conheça este mistério de amor e felicidade, quase me apetecia dizer que sois vós os novos Apóstolos a quem o Senhor confiou o anúncio desta verdade. Sim, vós, melhor que eu, podeis anunciar que o amor vivido na unidade e na fidelidade, gera vida, satisfação, testemunho, plenitude. Por isso, também são para vós as últimas palavras de Jesus: “Ide e ensinai todas as nações […]. Eu estou sempre convosco até ao fim dos tempos”.
Amigos, não vos esqueçais: sois um dom precioso para a Igreja e para o mundo, simplesmente porque sois esposos e pais. Continuai a cultivar esta preciosidade da família, vivendo, assim, a dimensão profética ou evangelizadora do matrimónio cristão. E que Deus vos abençoe e proteja ao longo de todos os dias da vossa vida!
+ Manuel Linda 26 de maio de 2024