Dia Mundial do Doente 2024
O meu pensamento dirige-se hoje, de forma muito intensa, para os doentes e todos os que sofrem, pois celebramos o 32º Dia Mundial do Doente. Penso nos que se dão conta de que as suas dores também ajudam a humanizar o mundo; naqueles que não encontram sentido para o sofrimento; e nos que, iluminados pela fé e esperança, vivem a sua situação com serenidade e paz. Penso, também, nos milhões e milhões que, em todo o mundo, não têm acesso a um serviço de saúde digno deste nome; em quantos estão abandonados à sua sorte; nos que não têm uma mão amiga que lhes assegure presença e solidariedade mediante um simples afago; nos abandonados, até pela própria família; nos que gozavam de uma saúde normal e a crueldade da guerra tornou feridos, mutilados ou incapacitados permanentes; e na barbárie de quem, nessas guerras, nem sequer respeita os hospitais. Também não esqueço a solicitude do pessoal da saúde, compete e solícito, como se comprovou na pandemia, nos capelães hospitalares e voluntários, nos diversos grupos da pastoral da saúde, nos visitadores dos doentes, nos familiares que os assistem até à exaustão física e psíquica, enfim, naqueles que condividem o sofrimento dos débeis e se aproximam deles.
Considerando tudo isto, porque sabem remar no sentido da proximidade e da solicitude, quero agradecer ao Secretariado da Pastoral da Saúde desta Diocese do Porto, na pessoa da sua Presidente, senhora Drª Maria do Rosário Alves, o enorme trabalho que está a ser realizado e o zelo com que organizou esta Jornada. Igual agradecimento dirijo ao Pároco de Mafamude, aqui em Gaia, o senhor Cón. Jorge Duarte, e aos vários serviços da Paróquia, pela colaboração prestimosa e por fazerem deste tema um âmbito sempre presente na dimensão pastoral. Bem hajam.
O Papa Francisco, com o seu habitual carinho para com os que sofrem, a partir de uma frase bíblica que remonta ao início, à criação, e consequente natureza humana, propôs-nos, para este dia, o seguinte tema: “«Não é conveniente que o homem esteja só». Cuidar do doente, cuidando das relações”. Refere que a pessoa foi criada para a proximidade, para saber estar junto dos outros, para a amizade edificadora, para a cooperação solidária, enfim, para o amor doado e recebido. Como tal, quando isso não acontece, por ser antinatural, aterrorizamo-nos, sofremos, desesperamos.
Lido em chave do mundo do sofrimento e da doença, sempre que falta aproximação cordial e empatia solidária para com o enfermo, ele sente outra dor acrescentada à dor já suportada. Isto é: com a nossa indiferença, podemos estar a ser sádicos na relação com o irmão que sofre porque, ao não o ajudar, aumentamos-lhe a aflição do abandono e o desgosto do desprezo. Sim, inerente à dor está sempre um sentimento de impotência, de necessidade do outro e consequente confiança. Se não se corresponde a isso, advém a angústia e a desilusão, a etapa mais aguda de todo o sofrimento. Por algum motivo, a expressão “Jesus, filho de David, tende piedade de mim” é uma das mais repetidas nos Evangelhos. Naquele tempo e sempre.
Isto remete-nos para a urgência do aspeto relacional de cada um de nós e da sociedade toda. As leituras desta Missa, por feliz coincidência, são bem claras, sob este ponto de vista. No Antigo Testamento, a lepra, a doença das doenças, supunha o afastamento obrigatório do enfermo em relação à comunidade; com Jesus, o que acontece é o acolhimento, a integração, a aproximação familiar e comunitária. Por isso, após a cura, manda-o ao sacerdote para que este passar o certificado de sanidade e, como tal, puder entrar no «mundo dos vivos» aquele que tinha dele sido expulso. Com esta atitude, Jesus ainda mostra mais: que Ele mesmo é o Senhor da Vida, mas da vida nova, aquela que se rege por critérios diferentes e elevados.
De facto, como alguém disse, a Boa Nova pode resumir-se à síntese que nos apresenta São Mateus: “Jesus percorria a Galileia, anunciado o Evangelho do Reino e curando todo o género de enfermidades entre o povo” (Mt 4, 23). Isto é: a novidade definitiva de Cristo assenta em dois pilares: evangelização e cuidado dos frágeis.
Irmãs e irmãos, particularmente vós os que mais sofreis, garantia-nos o Papa Bento XVI que “a medida e a estatura da humanidade revelam-se, essencialmente, no timbre de relação com o sofrimento e o sofredor” (Spe salvi, 30). Sejamos solícitos uns pelos outros. O desvelo fala mesmo sem palavras. Uma presença amiga junto de quem sofre já é sanante por natureza. Que a cultura do individualismo não tente contradizer este dado que é bem natural, bem típico do ser pessoa.
É isto que peço a Deus por intermédio da Virgem Santa Maria a quem também chamamos “Saúde dos Enfermos”, pois ela sempre demonstrou uma especial solicitude pelos doentes, como o testemunham os milhões e milhões que se deslocam aos seus santuários para pedir a graça da cura ou para a agradecer. Ela vele por nós.
Porto, 11/02/2024
+ Manuel, Bispo do Porto