A Esperança que nos converte
Homilia na Missa das Cinzas - 2025
Ressoa aos nossos ouvidos a palavra de Joel: “Convertei-vos a Mim de todo o coração” (Jl 2, 12). É este tempo de conversão que hoje iniciamos. Tempo de mudança, mas não menos um tempo de coração. É a partir deste que as atitudes ganham rosto humano, passam do automatismo à vontade firme de nova reaproximação a Deus e aos irmãos. Seja também este um tempo especial de conversão à esperança, como nos pede o mote deste ano jubilar. Precisamos de esperança; sim, o mundo precisa de esperança. A conversão do coração é importante para que a esperança seja a “energia” que o alimenta. Habitados pela esperança a partir do coração, tornamo-nos pessoas novas.Tornamo-nos nós e, connosco, também a Igreja e o próprio mundo.
Esta conversão do coração, em contexto de fé, supõe o contributo de específicos meios. Os principais, amplamente provados pela Igreja, como sabemos, são a prática da oração, o jejum e a esmola. A oração alimenta a esperança, pois a projeta para o tempo novo do Reino; o jejum concede-lhe a fortaleza de a sobrepor aos nossos instintos de posse; a esmola como que a concretiza em gestos reais que auguram o tempo novo da efetiva fraternidade à base da comum paternidade de Deus.
Quando Jesus, no Evangelho, nos diz “Tende cuidado em não praticar as vossas boas obras diante dos homens”, é para as colocar ao nível do coração, aí onde as convenções sociais não contam e a adesão aos grandes valores se formulam. É aí que se decidem as vias a percorrer para atingir o mais elevado grau de adesão ao Senhor, objetivo último da quaresma. Esse é o caminho do bem que se faz na simplicidade, na discrição, mas operante e efetivamente.
É este caminho que pretendemos fazer juntos, enquanto comunidade diocesana. É em conjunto que peregrinaremos na esperança, rumo à Páscoa. Num caminho confiante, como diz o hino do jubileu: “No caminho, eu confio em Ti!”. Sempre seguros na âncora, o símbolo visual de que ligamos a nossa vida ao amor de Deus que nos ajuda a revisitar o nosso viver em ordem à conversão. Neste caso, a âncora não é para nos imobilizar num dado sítio ou situação da vida, mas sim para que, em qualquer contexto ou situação da vida, encontremos firmeza, sentido e alento na existência. É, de facto,Deus quem me ama e salva. E o nosso Deus não é parado, mas dinâmico. Faremos, pois, uma caminhada quaresmal na plena confiança, na certeza do amor misericordioso de Deus. O que nos abre à alegria e à esperança.
Começamos esta peregrinação com o sinal penitencial das cinzas sobre as nossas cabeças. É um sinal forte para iniciamos a quaresma na fé e na esperança. Abrir-nos à graça de Deus para podermos celebrar, com grande alegria, o triunfo pascal de Cristo.Percorreremos as vias da conversão e da misericórdia. Somos peregrinos na vida. Como tal, podemos perguntar-nos: como me deixo interpelar por esta condição? Estou realmente a caminho ou estou paralisado, estático, com medo e sem esperança, acomodado na minha zona de conforto? Busco caminhos de libertação das situações de pecado e falta de dignidade?
Façamos esta viagem juntos. Caminhar juntos, ser sinodal, é esta a vocação da Igreja. Os cristãos são chamados a percorrer o caminho em conjunto, jamais como viajantes solitários. Por isso é que somos Igreja, comunidade dos redimidos, novo povo do Senhor. Não individualizemos o que é coletivo. Então, façamos este caminho “juntos na esperança” de uma promessa. A esperança que não engana, mensagem central do Jubileu, seja para nós o horizonte do caminho quaresmal rumo à vitória pascal.
Nesta caminhada, atribuímos um significado muito particular à renúnciaquaresmal, à oferta que generosamente fazemos do que nos sobra para aqueles a quem tudo falta. Também este é um caminho solidário e em conjunto: os que têm ao lado do que não têm. Empenhadamente, uns com os outros. Como expressão não só do autodomínio que devemos fazer sobre a nossa vontade de poder e de ter, mas também como condição de quem quer pertencer ao Reino de Deus, que é justiça e fraternidade.
Como é habitual, o produto desta renúncia será encaminhado para fora da nossa Diocese do Porto. Consultados os diversos órgãos de participação, o Conselho Episcopal decidiu que 50% desse quantitativo se destine a ocorrer aos diversos pedidos de ajuda que nos chegarão do estrangeiro, como é habitual. Os outros 50% serão distribuídos a dois Seminários: o de Maputo (Moçambique), pois se trata de um Seminário pobre numa Igreja e País pobres; e para a construção do Seminário Filosófico de Viana (Angola) que acolherá alunos de cinco dioceses.
Habitados pelo amor de Deus, “esperança que não engana”, crescemos na generosidade, deixando de lado o egoísmo e isolacionismo. Os sacrifícios que brotam do jejum e abstinência florescem na partilha solidária com os necessitados e com as causas que eclesialmente assumimos.
Votos de uma quaresma vivida na alegria e agarrados à âncora da salvação.
+ Manuel Linda 6 de março de 2025