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Homilia na Solenidade da Senhora de Vandoma e Jubileu das Paróquias da Cidade do Porto

Um novo ímpeto para a pastoral da Cidade do Porto

 

Além da fé, da amizade mútua e de tantas outras coisas, hoje, uno-me a vós, caros fiéis em Cristo, numa dupla pertença: como cidadão do Porto e paroquiano duma das Paróquias que constituem o tecido religioso da nossa cidade. Realizo, portanto, também eu o meu jubileu. E é uma alegria fazê-lo juntamente convosco.

Para o celebrar, não podia haver dia mais sugestivo que este da Solenidade da nossa Padroeira, Nossa Senhora da Vandoma. Como sabem, a sua imagem, posteriormente colocada por cima da principal porta das muralhas do velho burgo, viajou até nós, nos finais do primeiro milénio, trazida pelos cavaleiros e militares que, do País Vasco francês, aqui vieram consolidar a paz e a segurança, num contexto de grande precaridade e ameaça para os habitantes da cidade que hoje somos. E, de algum modo, fazer germinar a vontade de autonomia que, duzentos anos mais tarde, com os cavaleiros de Entre Douro e Minho e D. Afonso Henriques, haveriam de levar à independência nacional e ao colocar nas nossas mãos o nosso próprio destino.

A Senhora da Vandoma associou-se, por isso, ao futuro, ao tempo novo, à consumação da esperança. Também hoje, nos assegura futuro e não regresso ao passado. Futuro de uma fé que há de funcionar cada vez mais como fermentadora de uma cultura mais humanística e promessa de santidade, pois esta relaciona-se com a bondade e a beleza, algo que todos apreciam imensamente. Ou então, esta abertura de espírito que deixe Deus torna-se concidadão nosso, como referia a profecia de Zacarias: “Exulta e alegra-te, filha de Sião [que era a cidade de Jerusalém], porque Eu venho habitar no meio de ti. Nesse dia, muitas nações hão de aderir ao Senhor; elas serão o meu povo e Eu habitarei no meio de ti. É esta excelsa convivialidade de Deus connosco e de uns com os outros, movidos pelos laços de fraternidade que encontramos, respetivamente, nas cenas da Anunciação e na da Visitação, como referia o Evangelho.

E tudo isto que é que nos diz, neste dia do seu Jubileu, para a edificação religiosa e ética deste Porto que caminha na história?

O ponto de partida para o novo ímpeto que é necessário para a pastoral da cidade tem de assentar no dado da profunda transformação que a cidade sofreu nas últimas décadas, e de forma mais acelerada nos últimos anos. É uma mudança que gerou uma grande polaridade social e cultural; novas formas de pobreza (aumento da população sem abrigo, da população só, dos fenómenos relacionados com os consumos aditivos, etc.); redução do número de residentes, particularmente nasfreguesias do centro histórico; concentração da economia da cidade no turismo e atividades conexas; aumento muito considerável da população imigrante, etc.

Fruto desta transformação, acentuam-se fenómenos cujos sintomas se sentem nas nossas comunidades. Refiro alguns: deslaçamento das comunidades paroquiais, com um número crescente de fiéis a mudar-se para fora do Porto, reduzindo, assim, o número de participantes na Eucaristia e o de voluntários para assegurar os serviços paroquiais; agudização da solidão, como consequência da redução das relações de vizinhança, particularmente notória nas pessoas mais frágeis, como idosos e doentes; agravamento do sentimento de medo e de diferença face ao outro, motivando fenómenos racistas e xenófobos. E outros mais subtis, mas não menos presentes, quais sejam as mudanças tecnológicas e societárias, ligadas ao desenvolvimento da inteligência artificial, à centralidade das redes sociais na discussão política e cívica, a um maior individualismo e a um agravamento da secularização e do envelhecimento populacional. Temos de o reconhecer com humildade: a comunidade católica ainda não foi capaz de responder a estes novos desafios.

Isto exige uma pastoral de conjunto, articulada e missionária. A pastoral do conjunto deve olhar para esta realidade com os olhos de Jesus: escutando, servindo, curando e evangelizando. Somos chamados a unir forças para responder juntos aos desafios da cidade. Sem isolacionismos, mas em comunhão eclesial.

A resposta a estes desafios requer um esforço de toda a sociedade. À Igreja, emconcreto, pede-se a motivação para uma verdadeira cultura de encontro. Pede-se uma maior capacidade de trabalhar em conjunto; um esbatimento maior das fronteiras entre as Paróquias e as duas Vigararias, valorizando o papel das assembleias vicariais e a partilha de experiências e de boas práticas, aliás favorecidas pela dimensão reduzida do território da cidade e transversalidade dos problemas; o fortalecimento da presença no mundo universitário e a recuperação do tradicional associativismo católico laical, etc.

Urge passar de uma pastoral de “silos” paroquiais para uma pastoral “em rede”e com projetos abrangentes. Seria relevante não só a coordenação dos horários das celebrações entre paróquias, como a sua divulgação de forma integrada. Os horários devem ajustar-se às necessidades das pessoas. A experiência do discernimento espiritual comunitário e sinodal, através do método da conversação no Espírito, deve ser encorajada dentro de um processo contínuo de formação nas comunidades.

Em concreto, sugiro três pontos para uma pastoral citadina, orgânica e em rede.

1. Uma maior abertura ao outro e à sociedade traduzida em: equipas de acolhimentoe valorização para integrar pessoas que chegam à cidade provenientes de todo o mundo; diálogo com a cidade e cultura urbana, estimulando a presença evangelizadora nos espaços públicos, culturais e digitais e evangelizar através do património cultural, tornando a Igreja “casa de portas abertas” EG 47); realizar a autêntica conversão à opção preferencial pelos pobres e feridos, priorizando a dimensão social e solidária da fé, mobilizando os crentes e a sociedade para a resolução dos problemas das fronteiras existenciais; etc.

2. Fomento da comunicação e sinergia pastoral. Em concreto: criação de canais de comunicação interparoquiais eficazes, digitais e presenciais; promoção de encontros regulares de partilha entre párocos, conselhos e equipas pastorais; formação dos Conselhos Pastorais Vicariais; dinamização de equipas da cidade ou assessorias para coordenar áreas comuns, tais como a catequese, liturgia, pastoral juvenil, ação social, família, cultura; partilha de recursos humanos e materiais, evitando duplicações e fortalecendo sinergias; favorecimento da comunicação entre paróquias por meios digitais e encontros presenciais; fortalecimento da presença da Igreja na comunicação social e na discussão pública, etc.); investir numa verdadeira Pastoral da Escuta (criar locais de escuta ativa em Igrejas centrais da cidade, abertos a todas as pessoas que estejam a passar por um momento difícil na sua vida –doença, solidão, medo, luto, angústia, dificuldades matrimoniais, crises de fé- contando, para tal, com equipas que juntem sacerdotes e religiosos a leigos, nomeadamente psicólogos, juristas, enfermeiros, médicos, entre outros).

3. Um novo ímpeto eucarístico e catequético que passa por: formação espiritual, partilha generosa dos bens e do tempo e esforço renovado para manter Eucaristias cativantes e belas; abertura à criação de possíveis centros interparoquiais de catequese, mantendo as festas próprias do itinerário catequético nas respetivasparóquias; colocação ao serviço da comunidade da criatividade dos grupos de jovens e maior articulação com a pastoral universitária, movimentos juvenis, escuteiros, aulas de Moral, etc.; fomentar a adoração eucarística e a visita ao Santíssimo, com as igrejas de portas abertas; valorizar ainda mais as manifestações públicas de fé, incluindo a procissão do Corpo de Deus, etc. Nas palavras do Papa Francisco, a pastoral de conjunto, orgânica, integrada, mais do que ser o resultado de programas elaborados é a consequência do colocar no centro da vida da comunidade a celebração eucarística dominical, fundamento da comunhão(Desiderio Desideravi, n.º 37).

Com confiança e alegria, colocamos este caminho jubilar sob a proteção de Nossa Senhora de Vandoma, Senhora do futuro, padroeira da Cidade do Porto, e pedimos a graça de sermos comunidade viva, fraterna e missionária, sinal do amor de Deus no coração da cidade. Comunidade que anseia a sua própria transformação espiritual e está aberta aos sinais que o Espírito Santo coloca diante de nós, um dos quais pode ser a realização do Sínodo Diocesano.

 

+ Manuel Linda 11 de outubro de 2025