Homilia nas Ordenações Presbiterais de 2025
Semeadores do gosto de Deus
Neste dia de ordenações de novos padres, em ano jubilar vivido sob o acalentamento da esperança, a liturgia apresenta-nos leituras bíblicas que se poderiam sintetizar nesta expressão: da religião à fé e desta a um amor salvador. A primeira insiste na palavra que converte e torna doce o coração humano: “Escutarás a voz do Senhor teu Deus […] e converter-te-ás ao Senhor”. É que a palavra de Deus não é um sistema legal codificado, mas a fermentação de uma amizade chamada a uma fusão entre o crente e Deus. É nesta união total que se descobre o Senhor Jesus como princípio e fim de tudo, o alfa e ómega, como refere a epístola. E é também aí que os sentimentos de Deus passam a ser os nossos próprios sentimentos, como exemplifica a parábola do bom samaritano. O curador preocupado é o nosso Deus e, como referiam os Padres da Igreja, o homem maltratado pelos salteadores exprime a condição de uma humanidade ferida. É o Senhor quem trata dela e a reconduz à salvação.
De que ferimentos padece, hoje, a humanidade? Como em todos os tempos, de vários. Mas, neste momento, entre nós, prevalecem três especiais feridas que podem gangrenar e fazer apodrecer a saúde de uma humanidade chamada à plenitude da salvação: o individualismo que desvia o olhar da sorte do irmão, tal como o sacerdote e o levita de que falava a parábola, e que, em último grau, pode levar à máxima crueldade da guerra; o estilo materialista de vida que imagina que a felicidade equivale à posse e desfrute de bens de luxo e requinte, olvidando que a verdadeira satisfação reside no bem-estar emocional, na harmonia dos relacionamentos e na capacidade de atingir belas metas; e, enfim, a incapacidade de organizar o tempo, devido às múltiplas ocupações artificialmente criadas.
É aqui que entra o padre como em casa e causa própria. Não está no mundo para o acusar, mas para o fermentar nos valores sólidos e elevados. Sabe que a dimensão religiosa continua presente. Mas que também ela pode não transcender uma perspetiva de vida individualista, consumista e desorganizada. Então, faz do ministério uma chave de acesso ao coração humano para aí implantar a fé que o transforma e o abre ao amor a Deus e aos outros. Sem descuidar os gestos religiosos que se enraizaram na alma do nosso povo e que o abrem ao mistério, procura dar-lhe o alimento sólido da Palavra transformante, por intermédio de um acompanhamento personalizado, uma formação contínua e uma inserção sinodal na vida e missão da Igreja. Uma Igreja ministerial,viva, fiel e consciente dos desafios e dos sinais do tempo, passa por aí.
Nesta linha, o ministério sacerdotal, hoje, exige muitíssimo mais ao padre que no passado. E somos menos. Por isto, quero agradecer a todos aqueles que colocam o centro de gravidade na fé vivida, celebrada e testemunhada. Eles desmentem, no concreto da sociedade eclesial, aquela velha frase velhaca de que “não há vida como a do padre”. Se se referirem aos sacrifícios, ocupações, trabalhos, comidas fora de horas, esquecimento de si, doação, etc., então sim, não há mesmo vida como a do padre…
A reconfiguração da alma espiritual do nosso povo, concretamente na Europa, reclama esta aposta total na fé e sua formação. E, graças a Deus, notam-se já os efeitos: um ineludível florescimento eclesial, mormente entre os jovens. O que nos enche de contentamento e esperança. Ora, o padre é chamado a servir esta esperança, a trazê-la ao mundo e fazê-la frutificar em alegria. Na sua íntima comunhão com a Igreja e como eminente membro dela, o padre coloca-se ao serviço da atuação da presença de Jesus Cristo na sociedade dos homens, dando, assim, uma esperança viva à humanidade e constituindo-se como apóstolo do alento e do contentamento.
Como o Senhor Jesus a quem se une na vida e ministério, é chamado a curar os corações feridos, a reencontrar a ovelha perdida, a buscar a justiça. Não se distingue pela imposição da autoridade, mas sim pela edificação do Reino de Deus e de um mundo mais fraterno e solidário. Torna-se, pois, um trabalhador da paz, quer pela remoção dos obstáculos à união, quer pela colocação desse cimento que solidifica as relações de cada um com Deus, com os outros e consigo próprio. É por isso que uma Ordenação é sempre uma fonte de alegria para o mundo e para a Igreja. Como tal, fazemos festa. E é também o resultado de uma vocação ligada à esperança: a de que o mundo se constitua, desde a fé, na antecâmara do Reino de Deus e a humanidade seja salva em Jesus Cristo. Sede, pois, “alegres na esperança”, já que, como um dia disse o Papa Francisco, a alegria e esperança ou dão as mãos ou não se reconhecem, porquanto alegria sem esperança é mero divertimento e esperança sem alegria não ultrapassa o otimismo momentâneo.
Caros Padres, particularmente vós os que ides ser ordenados já de seguida, para dar corpo a esta alegria e esperança ativa, nunca vos esqueçais que o sacerdócio é sempre relacional: com Deus, com o Presbitério encabeçado pelo bispo e com o Povo. E esse relacionamento exercita-se no concreto da oração, na direção espiritual, formação contínua, coordenação pastoral a nível diocesano e de Vigararia, nas refeições tomadas em conjunto, no gosto de estar com os colegas, na corresponsabilidade alargada, no estilo de vida simples e próximo de todos, etc. Se assim o fizerdes, constituís-vos faróis da esperança para a Igreja e para o mundo. É isso que invoco de Deus por interceção da Rainha do Clero, a nossa Padroeira diocesana, Nossa Senhora da Assunção.
+ Manuel Linda 13 de julho de 2025