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Homilia no Corpo de Deus - 2025

A memória com a qual se constrói futuro 

A segunda leitura que escutamos descreve-nos o que hoje celebramosfestivamente: “O Senhor Jesus, na noite em que ia ser entregue, tomou pão e, dando graças, partiu-o e disse: «Isto é o meu corpo entregue por vós. Fazei isto em memória de mim». Do mesmo modo, no fim da ceia, tomou o cálice e disse: «Este cálice é a nova Aliança no meu sangue. Todas as vezes que o beberdes, fazei isto em memória de mim».

Fala-se de uma “memória”. Hoje, quase sempre ligamos a memória a uma recordação ou conjunto de factos e datas do passado. E dizemos que alguém tem boa memória se conseguir armazenar uma grande quantidade de dados. Como a memória de um computador. Mas não é esse o sentido bíblico. Para a Sagrada Escritura, a memóriade um acontecimento funciona como prova de que o Deus Libertador, hoje e no futuro,oferece ao seu povo a salvação de que este necessita. Não se trata, portanto, de um convite a ritualizar um gesto isolado do passado, mas de reviver, por inteiro, o seu significado salvífico e contínuo. Deste modo, o passado irrompe no presente e fermenta-o como força libertadora de futuro. Celebrar esse acontecimento é, portanto, um ato significativo que interliga o passado com o presente e os projeta no futuro. É um modo de dirigir a história na direção e meta de um futuro melhor, mediante uma especial interligação com Deus. Mas que supõe, evidentemente, o contributo humano.

De facto, o Senhor Jesus que prometeu estar sempre connosco não se ausentou: continua na sua Igreja e no mundo até ao fim dos tempos. Cumpre essa promessa na Eucaristia. E ao celebrá-Lo e comunga-Lo, passam para nós a sua vida e os seus valores. Passam como semente que devemos fazer germinar e crescer. São valores de divinização e elevação, imensamente uteis para a pessoa e mesmo para a vida social. É o que nos diz, de forma muito bela, Santo Agostinho. Reportando-se a uma altura da sua vida em que procurava desesperadamente a luz da verdade que o levaria à conversão, no célebre livro das Confissões, refere que ouviu uma voz que lhe dizia: “Eu sou o alimento dos fortes. Tu não me transformarás em ti, como ao alimento do corpo. Mas serás tu a seres transformado em Mim!”.

É que este Deus, sendo Deus-connosco, não é menos Deus-para-nós. Enquanto Deus-connosco, transforma-nos em peregrinos do tempo e da história, seres não dirigidos exclusivamente pelos elementos da química e pelo meio ambiente e cultural, mas sim fermentadores da sociedade e das suas grandes coordenadas humanas. Sustenta os nossos passos e preserva-os da queda e garante que a nossa caminhada individual e social passa por duas etapas: humanização e divinização. Neste ano de jubileu, faz-nos bem pensar nisso. Como Deus-para-nós, recorda-nos que o sacrifício da sua vida no altar da cruz foi ato salvador, «para nós e para todos, em remissão dos pecados» de todos os tempos. Por isso, o autor da Carta aos Hebreus garante: “Cristo veio como Sumo-sacerdote dos bens futuros […]. Entrou uma só vez no Santuário, não com o sangue de carneiros ou de vitelos, mas com o seu próprio sangue, tendo obtido uma redenção eterna […]. Entrou no próprio céu, para se apresentar agora diante de Deus em nosso favor” (Heb 9, 11-13).

Irmãs e irmãos, em quinta-feira santa, antes de celebrar a Páscoa judaica com os seus discípulos e de instituir a Santíssima Eucaristia, Jesus enviou os Apóstolos à cidade de Jerusalém para que estes encontrassem uma sala para essa refeição sagrada. E diz-lhes: Virá ao vosso encontro um homem transportando uma bilha de água. Segui-o até à casa em que entrar. Então, dizei ao dono da casa: «O Mestre manda dizer-te: Onde é a sala em que hei de comer a ceia pascal com os meus discípulos?»” (Lc 22, 10-11). Pois essa sala somos nós, é a Igreja que realiza este dom supremo do amor de Jesus até ao fim dos tempos. Somos nós, comunidade crente, que recebemos, veneramos e preservamos este memorial vivo do Senhor, o banquete de vida eterna, mas não menos o sacramento da sua presença no mundo para construir “o novo Céu e a nova terra”. São os crentes que não podem viver sem o Domingo, como diziam os mártires de Cartago, quem se alimenta e oferece ao mundo esta mesa de fraternidade. Porque Jesus está no centro e o que Ele distribui não é algo de vulgar, mas o seu próprio Ser de união e de concórdia. Ao alimentarmo-nos d’Ele, participamos do seu amor mais forte do que a morte, esse amor que reverte a divisão em fraternidade e nos fazer sentir a todos como se fôssemos apenas um com Deus e com os irmãos.

Veneremos e celebremos sempre a divina Eucaristia, a presença do Senhor, nossa luz e pão da vida. Cante a alma o seu louvor. Hoje e para sempre.

 

 

+ Manuel Linda 19 de junho de 2025