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No Jubileu dos trabalhadores

Trabalho: base de um encontro de quem dá e recebe

 

 

Quando descobri a possibilidade de celebrar um específico jubileu do trabalho, fiquei cheio de alegria. É que não há qualquer atividade humana tão ampla e universal como o trabalho. Na diversidade das suas formas, ele diz respeito a todos e constitui a grande base de encontro da humanidade: dos que produzem os alimentos e dos que os confecionam, dos que ensinam e dos que aprendem, dos que procuram a saúde e dos que colaboram nisso, dos que exploram as profundidades da terra e dos que usam esses produtos para a técnica, dos que lidam com as lágrimas dos outros e dos que os alegram pela música e pelas artes, dos que metem o pão na boca dos frágeis e dos que celebramos o louvor divino com os “frutos da terra e do trabalho do homem”, etc. Na diversidade das suas formas, o trabalho exprime, portanto, a condição original da pessoa a quem Deus coloca no mundo para “guardar e cultivar a terra”, para retirar dela o pão com que sustenta a sua vida, a da sua família e a dos outros, mas também para que se realize na atividade, no ver surgir os produtos e artefactos, no fabrico de um bem que o deixa feliz.

Deste modo, estando o trabalho tão à base condição de cumprimento da pessoa e da sua felicidade, compreende-se que também possa constituir fonte de desequilíbrios e de instauração de grandes problemas. É que o trabalho, de alguma forma, exprime o timbre de relação que estabelecemos com as coisas, os outros e até com Deus. Ora, o jubileu proporciona-nos ocasião e motivo para refletir se os bens da terra, destinados por Deus a todos os seres vivos, chegam realmente a todos. Perguntamo-nos se organizamos a economia à base dos princípios da generosidade e da preocupação com os irmãos ou se preferimos relações de indiferença, de ânsia de poder que leva à violência, da idolatria das coisas, da divinização da riqueza e do culto obsessivo do lucro. Ou, pelo contrário, se seguimos a linha da preocupação pelo outro, da solidariedade, da misericórdia, do desenvolvimento integral e da paz. Eis a razão pela qual o jubileu do trabalho melhor: de todos nós, trabalhadores- pode ser um tempo de resgatar o sentido da vida e das relações humanas a partir de Deus e do seu plano originário.

O Evangelho agora acabado de proclamar fala-nos de um trabalho duro e a horas difíceisa pesca durante a noite- e do seu resultado desanimador. Mas também garante que quando o Senhor Ressuscitado chega à margem do lago não só as redes deixam de ficar vazias, mas os pescadores substituem o desânimo pelo entusiasmo, a nostalgia pela alegria contagiante. E saltam dos barcos para chegarem mais depressa junto d’Aquele que os alimenta e ilumina o trabalho com uma dimensão espiritual ao reconfirmá-los no que já lhes tinha dito: “Farei de vós pescadores de homens”. Neste caso, mesmo com pouca produção, o trabalho da pesca noturna não foi desprovido de significado, mas apresenta-se como a realização do plano de Deus que quer a nossa atividade a dois níveis: na sabedoria com que ordenamos as coisas neste mundo e no amor com que trabalhamos a própria salvação e a da humanidade.

Então, compreendemos porque é que na visão da Igreja o trabalho é, ao mesmo tempo, um dever e um direito. É dever enquanto chamados a colaborar com Deus na obra do perene aperfeiçoamento da terra, do retirar dela o indispensável para uma vida digna de todos os membros da humanidade e de nos cumprirmos por intermédio de uma atividade construtiva e honrosa. O trabalho é também direito inapagável porque nele se exerce a solidariedade para com os frágeis e doentes, mormente a nível da família; porque por ele se aperfeiçoa o mundo, tarefa recebida das mãos de Deus; e porque nele a pessoa exprime e sustenta a sua dignidade constitutiva. Por isso, Jesus Cristo, a sua Mãee São José trabalharam, a ponto de o Senhor ser designado por “o filho do carpinteiro”.

São João Paulo II dizia que o trabalho constitui “o grande campo de prova para as escolhas ética e de civilização”. De facto, notamos que é urgente redescobrir o seu sentido e valor, refletir sobre os desequilíbrios existentes no seu mundo, revalorizar o trabalhador e coloca-lo no topo da escala de produção, solidarizar-se com quem sofre a falta de trabalho, apreciar mais o contributo dos migrantes que executam quase sempre trabalhos humildes, analisar porque é que, mesmo com trabalho, o salário auferido se torna insuficiente para quase um quarto da população portuguesa e a pobreza subsiste, enfim, contestar radicalmente o trabalho infantil, a diferença salarial entre homens e mulheres, o sub-rendimento do mundo da agricultura, as fraquíssimas condições que fazem de alguns trabalhadores verdadeiros escravos, etc. E há que meter mãos ao trabalho dos trabalhos: estudar, descobrir e implementar sistemas de desenvolvimento harmonioso à escala global para que a humanidade, dentro do possível, caminhe ao mesmo ritmo em direção a um desenvolvimento integral, no respeito pela natureza.

Irmãs e irmãos, tal como a pessoa que o executa, o trabalho e as suas circunstâncias podem e têm de melhorar continuamente. Ele não é um castigo divino ou uma espécie de lei imutável da natureza. Ele é antes a expressão exterior do mundo interior da pessoa que colabora ou não para o bem comum. O papa Francisco proclamou este jubileu com um documento a que pôs o título de Spes non confundit, a esperança não engana. Sim, a esperança em Deus garante-nos que o trabalho há de ser fonte de alegria e contentamento, a humanidade há de sobrepor a caridade e a misericórdia ao lucro e à exploração e a família humana há de viver e alegrar-se na Casa comum, percorrendo caminhos de paz e de bem, enquanto aguarda os novos Céus e a nova Terra.

Que a Virgem Santíssima e São José, dois trabalhadores-modelo, intercedam por nós os que honrosamente nos reclamamos da condição de trabalhadores.

 

 

 

+ Manuel Linda 4 de maio de 2025