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Missa da Ceia do Senhor / 2024

Eucaristia e Esperança

 

 

A eucaristia é o Sacramento mais vezes celebrado. Na nossa cidade e diocese, todos os dias se cumpre dezenas ou centenas de vezes o mandado do Senhor: “Fazei isto em memória de mim”. O que somente fazemos uma vez por ano é este gesto do lava-pés que São João associa inseparavelmente à Eucaristia. Partindo disto, gostava de refletir em alguns dados com ela interligados.

O lava-pés constitui o sublime exemplo de Jesus que convida a servir e a testemunhar a caridade. A partir da narração bíblica, quase se poderia assegurar que o cuidado com o outro, a solicitude para com quem precisa, como que se antepõem e precedem este Sacramento do Corpo e Sangue do Senhor. Tendo consciência de que, daí a pouco, Ele mesmo iria tornar-se o frágil dos frágeis, o Redentor pensa em tantos e tantos que, em cada época da história, reclamam uma mão estendida para os ajudar, uma força para os fazer caminhar, um guia para lhes indicar a direção a percorrer. E, de facto, tantas vezes se verifica esta atenção e proximidade, porventura vividos tão discretamente que nem se dá conta delas. Mas a discrição não retira eficiência. Pelo contrário, torna a ação mais profunda e meritória, pois não espera a aprovação social.

A Igreja, pátria da caridade, tem sempre muito presente este dado que deriva imperiosamente da fé. Como tal, ensina: “A importância das tarefas terrenas não é diminuída pela esperança escatológica, mas esta reforça com novos motivos a sua execução” (GS 21). Isto é, enquanto não se estabelecem em plenitude “os novos céus e a nova terra” (2Pd 3, 13), a Igreja cumpre a sua missão e aponta para o Senhor no meio das criaturas que sofrem e gemem as dores do parto, esperando a manifestação de Deus (Rom 8, 19-22). E comprometendo-se efetivamente com elas.

Neste caminho sinodal em que nos encontramos e no qual queremos avançar, olhamos a nossa Igreja como escola de vida e de sabedoria. E esta cultura do diálogo com Deus e entre os cristãos é algo que queremos continuar a profundar e a experimentar nas nossas comunidades, movimentos, grupos, conselhos. Somos uma Igreja em movimento que não cessa de anunciar uma Palavra de vida e, ao mesmo tempo, de testemunhar, nas mais diversas circunstâncias e pelo mundo fora, o valor do amor e do perdão. Somos um povo peregrino a caminho da santidade, conscientes dos nossos limites e fragilidades, mas atento aos sinais e confiante no amor de Deus e no Espírito que nos guia. Estamos no caminho e assumimos o desejo de avançar juntos, apesar de diferentes serem os ritmos e distintas as diversidades humanas e sociais que nos formam e enriquecem, disponíveis para o diálogo que facilita o encontro, a partilha e o discernimento. É aí que damos as mãos. É aí que lavamos os pés uns aos outros quando tal é necessário. É aí que demonstramos permanecer fiéis ao Senhor. Eis, pois, uma caridade que arranca da fé e, simultaneamente, se alimenta da esperança.

Vivemos num tempo em que a indiferença religiosa tende a expandir-se, com a consequente perda de relevância da fé e da instituição eclesial. É uma realidade que nos magoa, mas que não impede a nossa vontade de propor a fé, anunciar e mostrar Jesus, o Caminho, a Verdade e a Vida. E, com Ele e sob o seu exemplo, a diminuir-nos para que os outros cresçam, a irmos com os joelhos ao chão para que o irmão progrida, a pôr a toalha à cintura para que todos fiquem purificados e em plena dignidade.

Irmãs e irmãos, o grande romancista brasileiro José de Alencar escreveu que “o amor sem esperança não tem outro refúgio senão a morte”. Não obstante o seu assumir a totalidade das nossas dores e angústias na sua inexcedível caridade, assim aconteceria com Jesus, não fora a esperança da sua ressurreição, tornada certeza no plano de um amor infinito do Pai. Do mesmo modo, assim aconteceria connosco se não nos agarrássemos à âncora da esperança e marcássemos a nossa existência pelo pessimismo doentio dos nevoeiros que construímos para nós próprios.

É o Senhor que a Igreja anuncia nos sacramentos que celebra, em particular na Eucaristia. A Igreja, povo de Deus que percorre a história, que muitos teimam em olhar como instituição desacreditada, abalada pelos escândalos, traz em si “este tesouro em vasos de barro” (2Cor 4, 7). E este tesouro é a certeza de n’Ele, temos a certeza da vitória. Por isso, sempre que celebramos a Eucaristia, anunciamos a morte do Senhor, mas, com igual convicção, proclamamos a sua ressurreição e olhamos para o futuro e pedimos: “Vinde, Senhor Jesus”. E isto é construção da esperança, pois só reza quem espera, só permanece n’Ele quem não desiste, só enfrenta e afasta a indiferença quem possui a santa ambição de implantar os valores do seu Reino. Porque a esperança cristã conforta e, ao mesmo tempo, desinstala, liberta da timidez, do medo, e assegura-nos, simultaneamente, o empenho nas realidades terrenas e a promessa da eternidade.

Sempre que celebramos a Eucaristia, demos vitalidade à esperança.

+ Manuel Linda 28 de março de 2024