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COMPREENDO E ACEITO

“O maior desafio surgirá após a JMJ”, afirma o padre Jorge Nunes, coordenador do Comité Organizador Diocesano do Porto


Após a peregrinação dos símbolos em outubro na diocese do Porto, fizemos o rescaldo com o padre Jorge Nunes, coordenador do Comité Organizador Diocesano (COD) e também diretor do Secretariado Diocesano da Pastoral da Juventude (SDPJ) do Porto. Elogia o trabalho das vigararias e partilha os momentos muito emocionantes que viveu, neste cargo que diz ser exigente.

 

No primeiro dia da peregrinação disse que acredita na possibilidade da diocese do Porto ser a mais representada na Jornada Mundial da Juventude (JMJ). Após a peregrinação dos símbolos, reforça essa expectativa?

Já era uma certeza e continua a ser. Pode vir a ser melhorada a diferença para a segunda diocese, mas não tenho grandes dúvidas desse dado. Acontecerá de uma forma muito natural, porque conheço os jovens do Porto e a nossa diocese. Conheço o interesse e a alegria que a juventude da diocese do Porto tem em participar na JMJ.

 

Que papel é que os jovens da diocese do Porto podem ter na JMJ?

O papel dos jovens do Porto é o papel de todos os jovens do nosso país e do mundo inteiro. Podem ajudar a que haja um virar de página para um mundo melhor, numa sociedade que continua dilacerada pelo contexto de guerra, não somente a guerra na Ucrânia, mas a guerra no contexto universal. Têm o papel de alertar para a questão ecológica, para fazer sentir ao mundo que ainda vamos a tempo de proteger a casa comum. Espero dos jovens do Porto que sejam a presença que vai atrair jovens vindos de todos os países. Esta juventude é de uma geração com muita qualidade, com muita autenticidade e com uma profundidade de fé muito boa.

 

Tem esperança que esta envolvência não termine com a JMJ?

Tenho alertado que o maior desafio para a diocese surgirá após a JMJ, isso é que nos vai dar mais trabalho. Tudo o que acontece até agosto anda muito a reboque da JMJ, mas depois vai depender de nós. Vamos ter que ser inteligentes e sábios para percebermos de que forma podemos dar continuidade, de que forma podemos ter algo de novo. Serão muitos os que se vão aproximar da igreja e temos de conseguir cativá-los a permanecerem, eles têm de se sentir úteis. Se formos capazes de os fazer sentir que são necessários eu estou certo de que retiraremos frutos da JMJ. Cometeremos um pecado grave se depois da JMJ voltarmos a ser o que éramos antes.

 

O que caracteriza os jovens da diocese do Porto?

São jovens habituados a dizer o sim, a aceitar os desafios que a diocese lhes propõe. São jovens que têm ânsia de se quererem configurar com Cristo no seu mais estreito vínculo de fé e de vida. Uma irmã doroteia dizia que os jovens do Porto são como Natanael, aquele Natanael que Jesus viu e disse: “Tu és um verdadeiro Judeu”. As pessoas do Porto são assim, são verdadeiras naquilo em que acreditam e afirmam. Os jovens da diocese estão muito ligados às paróquias e são verdadeiros e autênticos. Gostam de ser Cristo e de ser o discípulo amado.

 

 

“A diocese faz sentir aos jovens

que estão presentes. Isso é essencial

para eles sentirem que não estão sozinhos.

Cada vez mais vemos os jovens com papéis

na vida da paróquia e isso é bom

porque os coloca como protagonistas”

 

Os jovens do Porto envolveram-se mais com a JMJ com a passagem dos símbolos?

Os símbolos são sempre os símbolos, falam por si só e inquietam quem quer que seja. Mesmo que pudéssemos sentir os jovens muito alegres e felizes, é evidente que os símbolos trouxeram cá para fora aquilo que se ia vivendo, em surdina, nas pequenas comunidades paroquiais e nas vigararias. A cruz e o ícone tornaram visível o que os jovens já eram. A simplicidade da cruz contém uma carga enorme e o ícone torna quase real a presença de Maria no meio de nós. A presença dos símbolos veio demonstrar que os jovens são apaixonados por Cristo.

 

Quem tem o papel de atrair os jovens mais afastados da igreja?

Desde sempre disse que os jovens que temos cá dentro, os que estão mais próximos da igreja, que se envolvem nos grupos pastorais, são aqueles que têm a tarefa de testemunhar aos outros que são diferentes. Quem tem a maior capacidade de cativar os jovens mais afastados são os que já pertencem à igreja. Também nos compete a nós adultos e a nós padres envolver mais pessoas, mas estes adolescentes são o elemento fundamental para convidar outros jovens a participar na JMJ e a motivá-los a quererem ser como eles, e como Jesus.

 

É fácil motivar os jovens próximos da igreja a quererem cativar os mais distantes?

Temos de nos fazer presentes, como é muito próprio de Cristo. A diocese faz sentir aos jovens que está presente com eles, que têm o nosso apoio, que nos identificamos e fazemos caminho com eles. Isso é essencial para eles sentirem que não estão sozinhos. Cada vez mais vemos os jovens com papéis importantes na vida da paróquia e isso é bom porque os coloca como protagonistas. Como o Papa Francisco referiu, os jovens são não somente o futuro, mas o presente da igreja.

 

 

“Queríamos mostrar que sabemos

fazer mais do que celebrar eucaristias,

queríamos que os municípios

pensassem fora da caixa”

 

Como é que se envolve as pessoas de todas as idades neste percurso até à JMJ?

Desde o primeiro anúncio da JMJ que fui dizendo que esta JMJ é diferente de todas as outras vividas até aqui. Esta JMJ não é só para os jovens, todos temos de ser protagonistas. A JMJ é uma dádiva pura para a igreja do Porto, de Portugal e do mundo. Tem de ser vivida como tal, por todos os crentes e não crentes, jovens e não jovens. Não queremos retirar protagonismo aos jovens, mas queremos fazer perceber que este processo, até muito sinodal, não é individual. Caminhamos todos juntos. Já que Deus nos confiou e nos ofereceu esta graça e esta bênção, temos que aproveitar para a viver coletivamente.

 

Quais foram os momentos mais complicados desta peregrinação?

Os momentos mais complicados surgiram antes da peregrinação. Pedimos aos municípios que não realizassem eucaristias, isto para que não cometêssemos o erro de celebrar uma missa sempre que os símbolos parassem. Queríamos mostrar que sabemos fazer mais do que celebrar eucaristias, queríamos que os municípios pensassem fora da caixa. De resto foi estar atento para que os símbolos fossem bem tratados e eu fui sentindo que havia esse cuidado com a cruz e com o ícone. Mas no geral não creio que tenha havido qualquer aspeto negativo.

 

Que momentos da peregrinação mais o marcaram?

Um dos que me marcou mais foi no dia 3 de outubro, um testemunho de uma cega sobre a cruz, que disse que esta não estava vazia, que estava cheia de Cristo, de vida, de alegria e de nós. Esse foi um momento estupendo. Outra dádiva foi na entrega dos símbolos a Setúbal, em Fátima. Fizemos a viagem para o santuário sob uma forte chuva, quando chegámos o sol ficou brilhante e o céu com um azul imenso. Quando saímos do santuário, voltou a chover. Ainda em Fátima, a primeira frase que vi no casaco de uma rapariga foi: “Já não somos nós que vivemos, é Cristo que vive em nós”. É a frase da minha ordenação presbiteral e a passagem que eu fui citando incessantemente durante a peregrinação dos símbolos pela diocese. Além desses momentos, as visitas às prisões foram belíssimas, muito marcantes. Depois sempre que íamos às escolas emocionou-me a alegria dos adolescentes em receber os símbolos. As idas aos hospitais também foram muito importantes. Todos os momentos de veneração e adoração dos símbolos foram tocantes. A forma como as pessoas se aproximavam da cruz contagiaram todos. Por último, também as missas dos cinco domingos que tivemos foram muito boas, porque foi possível perceber que a diocese consegue funcionar por regiões pastorais e que há uma comunhão entre sacerdotes e vigararias que nos permite fazer coisas belíssimas.

 

Como pároco de Gulpilhares, sentiu orgulho no coro jovem que protagonizou o musical em Paredes?

O musical já tem alguns anos, com aqueles jovens, já antes de eu ser pároco. Os jovens vão mudando, mas o espetáculo vai sendo recriado novamente com outros miúdos. Antes da pandemia já o tínhamos colocado outra vez em exibição. Desde que o vi pela primeira vez, em 2019, que a minha reação foi dizer que tinha orgulho neles e do trabalho deles, que é uma autêntica catequese. Aqueles jovens nunca mais vão esquecer o evangelho segundo São Mateus. O musical é uma forma de fazer catequese e uma maneira de fazer entender a mensagem da Bíblia a todos os jovens. Vários foram os assessores e vários foram os padres que disseram que gostariam de ver o musical. Por isso pensei que poderia ser oportuno apresentarmos novamente em Paredes, na festa da juventude.

 

 

“Fiquei feliz e de coração cheio

com tudo aquilo que a diocese

e as vigararias foram capazes

de proporcionar”

 

A originalidade das vigararias surpreendeu-o?

Não me surpreendeu nada, já o tenho repetido. Quem conhece a diocese percebe que somos capazes disto, por isso não fiquei admirado. Houve coisas bonitas e belas, “momentos de poesia” como o Papa nos pede a propósito da JMJ. Não fiquei surpreendido. Fiquei feliz e de coração cheio com tudo aquilo que a diocese e as suas vigararias foram capazes de proporcionar aos símbolos, aos jovens e à população em geral. Estou de coração cheio e agradecido, isso sim, não há dúvida.

 

Como é que se gere o ânimo desta dádiva que esteve em suspenso com a pandemia?

Se Deus nos confiou este desafio devemos continuar a confiar nele. Ele vai-nos dando entendimento e sabedoria. Tentamos que a voz de Deus ressoe nos nossos corações e nos faça entender este grande desafio. Só mesmo em Portugal é que podia acontecer esta JMJ após a pandemia. Nós somos capazes de ultrapassar as dificuldades que surgem à última da hora, de resolver e tornar tudo possível. Sabemos bem receber e por isso estamos no caminho certo.

 

Já falou várias vezes na meta dos cem mil peregrinos acolhidos pela diocese. Acha exequível alcançar esse objetivo?

As famílias do Porto vão dar essa resposta. Somos uma diocese muito acolhedora, sabemos vivenciar a hospitalidade. Acredito que haverá muito mais oferta que procura. As famílias do Porto vão responder positivamente, poderá não ser no imediato, mas mais mês, menos mês, vão dar o sim que Isabel deu a Maria para a receber em sua casa. Tentámos retardar ao máximo as inscrições por causa da pandemia. Acreditamos que já não há esse entrave e por isso queremos avançar o mais rapidamente possível.

 

Os símbolos também passaram por locais mais peculiares. Qual foi o objetivo de passar por uma discoteca, em Baião, e de marcar presença num “DJ set”, em Paredes?

Os símbolos estiveram numa discoteca a partir da proposta da pastoral juvenil de Baião. Foram eles que sentiram que, naquela noite, podiam ir onde estão normalmente os jovens. Quem conhece a juventude baionense sabe que a maior parte dos jovens, à noite, no fim de semana, costuma estar naquele local. Estão ali todos os jovens, os que participam na vida da igreja e os que estão mais distantes. Por isso quisemos ir ao encontro deles. Como o Papa Francisco nos tem pedido, temos de encontrar as pessoas que estão mais distantes, temos de nos aproximar delas. Não é só fazer com que as pessoas vão aos símbolos, mas também o inverso. Foi um momento muito belo porque de repente estava toda a gente a cantar músicas ligadas à igreja naquele espaço, sem que a cantora tivesse de fazer esforço para ser ouvida, porque os jovens cantavam por ela. Foi bom para fazer perceber a quem está mais afastado da vivência católica que é possível ser-se cristão nestes locais, e que os símbolos também podem entrar numa discoteca. Foi uma ideia feliz. Em Paredes, o COD do Porto quis muito dar a entender aos jovens que pode haver festa, de diversas formas, no contexto da Pastoral Juvenil. A ideia de termos, depois da meia-noite, um “DJ set” com a presença dos símbolos foi de podermos fazer sentir aos jovens que é possível fazer outras coisas para além de celebrar eucaristias, ou vigílias de oração. É possível demonstrarmos que somos católicos a partir da nossa vivência da música e da festa. E também é concebível, de um momento para o outro, pararmos a música e termos o nosso momento de oração e encontro com Deus. E isso não nos tira nada, simplesmente acrescenta a presença de Deus na nossa vida. Os jovens católicos não estão à parte do mundo. Ter os símbolos nestes contextos possibilitou mostrar que podemos marcar a nossa presença, sem nos impormos, mas mostrando o que somos e o que são estes símbolos.

 

 

“Não estou na Pastoral Juvenil

para deixar uma marca ou para ser recordado.

Reconheço que estamos a escrever

belas páginas na história da diocese.

Mas não é um trabalho individual,

é toda uma equipa que trabalha comigo”

 

Focando-nos no cargo do padre Jorge, tem sido mais desafiante com a JMJ?

Tem sido desafiante porque eu nunca me senti a melhor pessoa, ou a pessoa certa, para liderar a pastoral juvenil da diocese. Disse ao D. António Francisco, no dia em que me nomeou, que não é a minha praia e ainda hoje acho que continua a não ser. Talvez por isso seja mais desafiante ultrapassar as dificuldades existentes. A verdade é que continuo a não me sentir digno, muito menos o mais capacitado. Em 2018, ninguém sabia da JMJ, que surge como uma dádiva de Deus para mim. Agradeço a confiança depositada em mim pelo D. Manuel Linda, para coordenar o COD e tudo aquilo que é a envolvência diocesana na JMJ.

 

Como se deve posicionar um padre para acompanhar devidamente os jovens?

Os padres têm de escutar os jovens para entender as suas particularidades. No primeiro ano em que cheguei à pastoral juvenil nós desafiámos os jovens a escreverem uma carta ao discípulo amado. Eu li, refleti e rezei, diante do sacrário, todas aquelas cartas. Agradeci a Deus todos aqueles jovens. E isso ajudou-me muito a conhecer os jovens da diocese. Ao escutar as preocupações da juventude pode haver uma visão daquilo que eles são, para que a igreja se enquadre e se configure nesta imagem jovem.

 

O que tem pautado a passagem do padre Jorge por este cargo? Que marca gostaria de deixar?

Não estou muito interessado, ou preocupado, se vai ficar alguma marca ou não. Isso compete às pessoas dizer, se quiserem. Não estou na pastoral juvenil para deixar uma marca ou para ser recordado. Reconheço que nestes anos temos feito coisas bonitas e estamos a escrever belas páginas na história da diocese, talvez das mais belas páginas. Tenho consciência disso, mas não é um trabalho individual, é toda uma equipa que trabalha comigo, todo um secretariado que me foi oferecido. Posso ser um rosto, mas até digo que só sou a cara quando as coisas correm mal. Aí estou aqui para assumir as decisões, que são tomadas maioritariamente por mim. Mas não é o meu objetivo marcar uma página da história da diocese, porque quando isso acontece quer dizer que o que vem a seguir baixou o nível, e não é isso que quero. Pretendo que depois de mim as coisas continuem a acontecer para o melhor e não terei qualquer problema se tudo melhorar depois de mim. Aquilo que eu sei é que o que tenho dado à diocese é tudo aquilo que sou.

 

Menos de dez anos depois de se ter ordenado, está a assumir esta posição. Como é que olha para a rapidez com que tudo aconteceu?

Eu entendo tudo isso como sendo os desígnios de Deus para mim. Acredito que Ele tem sonhado e preparado isto para mim. A minha vida, em nove anos de sacerdócio, foi atribulada. Fui muita coisa em tão pouco tempo. Fui pároco dois anos, depois mais dois anos de formador do Seminário do Bom Pastor. Se tinha sido surpreendido com o convite para formador no seminário, ainda mais surpreso fiquei com o convite do D. António Francisco para ser o diretor da Pastoral Juvenil. Depois o D. Manuel Linda mantém confiança neste cargo e atribuiu-me outras duas paróquias. No dia da minha ordenação prometi ao bispo e ao seu sucessor reverência e obediência. É neste sentido que vou aceitando tudo o que os bispos me têm pedido.

 

Como é que percebeu a vocação para o sacerdócio?

A minha vocação foi uma vocação tardia, porque entrei no seminário com 26 anos, quando a maior parte dos padres estão a ser ordenados. Foi um processo muito diferente da maior parte dos meus irmãos sacerdotes. Eu, inicialmente, não tinha a escolaridade mínima para entrar na faculdade, que tinha de completar no seminário. Deixei de estudar aos 12 anos. Foi um percurso que só se realizou com a ajuda de Deus. Já na minha criancice e adolescência eu percebia esta vontade de ser padre, mas coloquei este desejo de parte quando decidi ir trabalhar, porque não era bom aluno, muito menos me sentia capacitado para estudar para padre. Foi este sentimento de incapacidade que me levou a abandonar esta vocação, numa parte inicial. Fui marceneiro até aos 25 anos, e depois, aí sim, com o jubileu do ano 2000, senti esse chamamento para o sacerdócio. Contudo, como me faltavam seis anos de escolaridade, colocava essa vontade de lado. Um dia, alguém me disse que teria toda a capacidade para terminar os estudos. Então voltei a estudar e a ganhar coragem. Em 2003, falei com o meu antigo pároco, que me disse que era totalmente possível seguir este caminho e encaminhou-me para o seminário menor. Tenho uma história belíssima de uma professora que me acompanhou neste percurso, deu-me explicações, corrigiu grande parte dos meus trabalhos e releu a minha tese várias vezes. Eu apresentei a tese em janeiro de 2012 e ela faleceu pouco tempo depois, como se tivesse sido colocada na minha vida para me ajudar nesta aventura que continua a ser desafiante.

 

Respostas rápidas: 

Santo favorito? São João Paulo II e Santa Teresa do Menino Jesus

Passagem bíblica preferida? “Já não sou eu quem vive. É Cristo que vive em mim” (Gl, 2-20)

Comida preferida? Pescada cozida com feijão verde

Livro? “Relatos de um peregrino russo”

 

Entrevista conduzida por Miguel Correia    Fotos: João Lopes Cardoso